sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O Corpo

She wolk up without herself... her body doesn't answer her calling n' she get so cold, so cold!, that her body becames rock.

Ela acordou... O corpo não respondia. Uma voz gritava nela como se tudo estivesse se despedaçando, um grito agudo sacudindo as paredes sólidas do quarto, em seu apartamento, apertado, arredio, gelado... Ela empertigou-se de pé, como se aquilo fosse o aquilo tudo do qual precisava. Os ossos tremoliantes, em voz uníssona, gritavam um lamento único, um pedido de túmulo, mas ela resistiu ao pedido. Havia o que fazer. 
Separou os pedaços de pano por cor, afastou-os todos na medida de achá-los com exatidão, tremeu as bases tentando se agarrar nos pés, mas as energias do solo a puxavam para baixo. Seus dedos tateantes e intrigados das sensações antigas, pareciam ter nascido naquele momento, tamanha sua curiosidade de remexer o mundo todo... mas as pernas não deixavam.
Entretanto, elas permitiram uma ida até a sala: eis a sala. Os sofás, bem colocados, ela apenas se esticou, rastejante, e chegou ao local onde alcançaria o controle-remoto e ali ficou. esticada entre as duas maças laranjas de fofura, pseudo-aconchego, espuma amontoada dentro de capas de pseudo-couro, seu temporário pseudo-refúgio. Os ossos em chamas gritando por um extintor, que não existia; sua mente, em total torpor, gritando por chamas, que jamais haveria de achar ali. E prostrada, ela viu o relógio girar. Chorou, retorceu-se, numa tentativa frustrada de alcançar o recanto gelado onde acharia sua comida, mas ficou na metade do caminho. Gritou em vão. Nada viria tirá-la do chão. 
Ainda se debatendo, voltou ao seu recanto alaranjado; clamou ao seu deus da guerra, guerreira queria ser! mas em vão. Ele a protegeu, mas sua armadura era pesada. Clamou à sua deusa da justiça, por todo esforço que fizera, e novamente em vão! Apenas a deusa do caos pode responder - eis o que: és caos, caos em meio a uma torrente de calmarias, caos em meio a um tornado de bom-vivans, caos, e caos ponto. Sem adiantar tremer - ela tremia sempre! - e caos sempre - sem adiantar se debater.
Podia sentir a cortizona - Tizz - corroendo suas entranhas, aquela força desperdiçada, aquela energia que fluia de si direto ao nada! - inferno! - e nada adiantaria gritar. Tizz, companheira, tenha piedade...
Um jorrar de figuras perfeitas em sua mente... Toda aquela arte desperdiçada.. Os ossos em chamas... Desespero. Silencia a dor - grita Morpheus em sua súplica - dorme. Dorme coisinha. Coisinha pequenina, indefesa, sem as intempéries dessa carne que adotaras como refúgio. A ira dos deuses... Um grito de guerra, um suplício profundo, um banho de álcool, um jorro de sangue que ficou guardado - eis uma vitória! - ela clama por um algo a mais...
A arte dormindo em local distante, os passos ardentes, ela caminha em prol de um algo a mais. Ela - ele - ela - ele - ela chama... Um sinal do outro lado, lá está. Risos, forças retornando, tarde demais. O dia acabando, a lua chegando, a lua vem trazendo a resposta do dia, um dia infrutífero, um dia inútil, um dia sem produção. Ela olha as cartas, nelas não há resposta... Para onde estará - onde estou?! - caminhando? Uma resposta muda... Uma resposta insossa, uma resposta bela, uma resposta cruel... O frio, perante tamanho sol, um frio indescritível, vergonha... Encolhida entre as cobertas grossas, pelos deuses, em 28°C, encolhida entre as cobertas... um frio de dentro.
A arte? Está lá, dormente; o amor?? eis o muso. E seu corpo? Maldito seja. Infrutífero, a arte a lhe transbordar heresias, a arte a lhe transbordar agonias, a tremedeira dos ossos! Oh eles queimam, como queimam! Talvez nem estejam mais ali... 
E o corpo? Que corpo? A Arte flui, ele não responde.. O amor flui, ele não responde! Eis aí a bela figura: caminha como se não houvesse um chão, seu jeito de olhar, entrecortado, suas lágrimas secretas, nada... Coloque sim, coloque uma vírgula em mim, eu posso mais que tudo isso, eis que posso mais que o maldito corpo, que me prende; não me sinto eu dentro dele, não me sinto completa nisso; falta uma perna extra, falta dois ou três braços para completar, falta a destreza para usá-los independentemente, um corpo de limitações, um pedaço de carne para me dizer o que posso fazer. Muita energia interna, para que? Acaba descarregada em marcas que o sangue apenas é testemunha, marcas em relevo que em muitos locais já sumiram, que em tantos lugares ficaram para trás como ficam as canções do passado! Marcas que deixam sua dor de existir, e nada mais!
Começo a acreditar em Anastasia... Todo esse sangue é agonia de arte que não é posta para fora; que essas marcas, que tudo isso, num mapa, poderia, talvez, formar a obra-prima da humanidade (tola que sou) e que tudo isso não acontece para fora, e fica preso, se libertando de forma cruel contra esta carne - que nada tem a ver com esse problema... A fumaça do cigarro, os objetos que me sobrecarregam do mundo, os movimentos complexos dos seres humanos a minha volta... Tudo é transcritível, tudo pode virar um belo borrão na tela...
A lua vem, a lua vai, e não me trás respostas seguras de nada... Essa semana já se foi, sem volta, mas outra virá - e com ela, uma nova chance de auto-controle. Nunca desistir.
Eu não vou me adaptar - não a esse mundo...
Eu não vou me adaptar - não a esse corpo...
Em algum lugar dorme o portão que me separa entre a limitação entre essa carne o e todo resto.
Eu não vou me adaptar - pois tudo depende deste corpo: corpo incompleto, de dores, limitações, artrites, artroses, e ises, e oses, e troços; tudo conspira para o não-saber; tudo conspira para a tragédia - the doom - mas eu estarei lutando. Pois o que seria eu se não fosse luta; pois o que seria eu se não fosse superação - e brigas - contra mim mesma, contra tudo, e do tudo, o nada, pois de nada a de solver o tudo... nas minhas mãos... a força nas minhas mãos... o grito sem sentido há de ter sentido.
Um chamado. Do outro lado do telefone, uma voz, que toda calma resiste à tensão da distância. E novamente.. a agonia. É ter um corpo. Ele está fraco aos adeus do amor, aos desesperos da doença, aos desiguais suspiros de uma alma que de muito o supera... e o espírito! que briga contra as paredes... (formigas adoram as batatas fritas do Mac Donalds) e cada rija, incompleta, desfazível (parede) há de persistir..
Mesmo que me custe tudo -
eis meu eu na infância -
e tudo que eu desejo jamais há de custar -
e a criança teimosa que aqui está -
e na criança briguenta persista -
a criança dorme... -
a criança dorme.
É a força desconhecida. É um algo indescritível. O corpo não vence a alma, o espírito energiza o conjunto - um grito! 
Eu continuo tentando. E eu vou conseguir.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Angústia

A boca está seca, e a fome escassa... Às vezes me pergunto sobre essa trilha.
Em algum momento de tua vida, tu já quiseras pegar do teu mais valioso ganho, e pôr tão perto, mais tão perto que não mais divisão haveria entre ti e ele? Infelizmente minha noção de casa continua distante das minhas mãos, e sou obrigada a tomar dela à goles curtos.
Maldita serotonina e endorfina conspirando contra mim...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Caos

Éris: deusa da discórdia e do caos. Diz o mito que ela possui uma maçã, uma maçã mágica, presenteada a ela para que parasse de se queixar, e com a maçã, ela espalha o caos e a discórdia entre os seres humanos. Uma mulher muito bonita que só faz a bagunçar... 


... assim como eu. Maldita hora que assim fui feita, maldita hora que desta forma me desenformei... Não há real beleza, é algo mais, nada me impede de olhar a mim e me ver apenas como uma garota comum; meus olhos, voz, nada disso é suficiente... O que se esconde por trás? Sorte? Que os mais mal-amados não me levem a mal, mas aqueles que apreciam o amor alheio e que não o correspondem, são, no mínimo, sádicos. Não tenho prazer algum em ver pessoas que nada me fizeram sofrer. Se eu tivesse, AH! se eu tivesse a maçã, tudo, TUDO, seria diferente... Nada de caos, eu faria enxergar os cegos, faria-os enxergar quem eu realmente sou. Paraliza-me tudo isso... Todo esse carinho ( que sobrará às moscas), todo esse sentimento e essa coragem de vir até mim e me dizer; TUDO ISSO!!! jogado no lixo. Dor? É superficial. A agonia... e cada vez mais a certeza maldita de que eu não devia ter acordado, eu não devia ter saído de casa, eu não devia ter me movido da cama... Quebrada? Sim, sempre. Para sempre. Por cada pancada que recebeste e eu não estava lá, por cada vez que eu não fui seu escudo, e por todas, TODAS as MALDITAS vezes que o foram por mim, e eu jamais poderei retribuir... Dor é pouco. Mundo injusto, maldito mundo injusto que joga as coisas boas às moscas, que desperdiça o que existe de bom em coisas inúteis. Cada coração que eu parti, cada coração inocente, me arrasa mais um pouco. Sim, eu sou o caos, eu sou uma ilusão bonita, eu sou um sonho divertido. Mas a verdade bem sincera é que, alguma hora, o sonho, a ilusão, tudo isso, iria descer pelo ralo, e eu junto; é preciso algo mais, algo mais do que emoções, é preciso enxergar através, é preciso tanto... 
Eu não sou bonita, isso é a sua cabeça que está sendo levada a pensar; eu não sou charmosa, eu não sou estilosa, eu não sou divertida; eu sou insensível, esquizofrênica, arrogante, teimosa e insuportável. Eu não sou uma boa pessoa para ninguém.
Ainda estou quebrada. Não vai colar. Nunca vai ser a mesma coisa, nunca vai ser o que nunca foi, sempre foi quebrado; não existe cola, é preciso ver as rachaduras e amá-las como quem ama um diamante perfeito. Isso é para poucos... isso é para um. Enquanto isso, os outros pagam o raio. Eu sou o caos, sim, o caos, e não se engane, nenhum orgulho de ser o que sou; não sinto orgulho algum de ver uma pessoa que nada me fez se dar mal, ficar chateada ou triste. Talvez seja a real hora da nossa - de nós dois, ou melhor, nós três (para não dizer que não falei das begônias) - irmos para aquela ilha deserta...
Maldita hora que resolvi nascer.


Texto escrito em momento caótico, ignorem os erros. 














Apesar de saber que o é, apesar de saber que a hora chegou, eu juro, juro por todos os deuses: eu ME RECUSO a crescer.

sábado, 3 de outubro de 2009

Os dois contos malditos ~ Clorpromazina - Haloperidol

Assunto complicado? Sim.
Consegue imaginar aquilo que deveria te ajudar atrapalhando sua vida? Piorando ainda mais a situação? Prejudicando seu corpo e sua qualidade de vida? Pois imagine. Não se cegue. Não é porque um cara é formado em algo que ele é a verdade absoluta e o saber. Cuidado, pense sobre si, pense sobre as vantagens e desvantagens, conheça a si mesmo, e decida: não deixe ninguém decidir nada por você.


Clorpromazina
Você, já ouviu falar do Amplictil? É o nome bonito para o nosso amiguinho acima. Alguns anos depois eu descobri que ele, e os outros priminhos dele que eu tomava na época pós-internação (anti-depressivo, ansiolítico) deviam ser ingeridos com leite para evitar problemas graves no estômago. Engraçado que eu não entendia porque, quando os tomava, esmagados, na clínica, minha garganta ardia, ficava dormente, e depois dolorida... Hoje eu sei. Meu eu da época? Eu falo um pouquinho dele.
Olá, prazer, eu sou a Nightwaliker, tenho 17 anos e problemas nos rins e gastrite. MInha vesícula vive me sacaneando e eu tenho, fora isso um bom estado de saúde. Estou tendo surtos terríveis de auto-mutilação e odeio o mundo, exceto meus amiguinhos e meu namoradinho. Sou bonitinha, tenho um peso bom para minha altura, mas emagreci muito na internação, meu cabelo longo e cacheado está quebradisso, estou anêmica por problemas com a alimentação dentro da clínica, mas estou me recuperando... E tinha esse carinha, esse comprimidinho branco. Eu o tomava todos os dias de manhã, e não conseguia comer de manhã, mas fazia um esforcinho, afinal uma maçã até que desce, ou uma pêra, porque tomar remédio de estômago vazio faz mal, não é mesmo? Qualquer idiota sabe disso.
Essa era eu na época. Coisa fofinha..., Não conseguia manter a cabeça de pé por causa do sono, fazia pré-vestinbular e não passei para nada, ninguém sabe porque... Talvez porque eu sentia tanto sono, TANTO SONO, que nem que passasse a orquestra russa explicando o maldito conteúdo de física, eu ficaria acordada. Sorria, você está sobre controle, sem surtos, fumanbdo feito uma condenada, mas sem surtos - sem vida, sem ânimo, sem sorrisos largos, sem vontade de existir... mas sob controle! Parabéns! Dores abdominais fortes, deve ser gases. E eu tomava remédio para gases, e não melhorava. Até o dia quer notei que, nervosa, a dor piorava. Eu comia compulsivamente para tentar fazer a dor parar, e não parava. E minha vida melhorou? Não, desculpe, piorou, beijos. Gastrite nervosa foi o resultado que a endoscopia mostrou, coisa da qual eu nunca haviua sofrido antes. E essa é a primeira história  que me fez desacreditar da medicina psiquiátrica.


Haloperidol
Sabe aquela dragueazinha tão famosa, todos falam nela para tratamento de esquizofrenia e outras patologias relacionadas, contém os surtos psicóticos e as visões? Contém mesmo? Ajuda mesmo? Não a mim. Essa é a história de como eu decidi parar de tomar essa medicação. 
Estava em situação grave de depressão, e o desespero da falta de apetite e da angústia me levaram a procurar um profissional. Dentre outros 3 medicamentos, me foi receitado o tal. Temi um pouco, mas o médico procurou me deixar tranquila, dizendo que a rigidez muscular seria reduzida por um dos medicamentos que ele me receitava, um certo anti-alérgico. Bula na mão, medicação a postos, fui para casa com um sorriso no rosto. E assim foi por algum tempo. A combinação bombástica de medicação me causava um sono surreal, eu dormia quase o tempo todo, quando não estava dormindo, sentia sono; não conseguia formar uma oração composta sem me enrolar, meus pensamentos pareciam anestesiados, era como se todas minhas capacidades mentais tivessem sido reduzidas a um décimo do que eu tinha antes. A falta de ânimo, a falta de vontade de levantar da cama não melhoraram; eu apenas tinha esperança numa recuperação - que não viria. E nesse contexto, se passou o episódio da estação das barcas.
Era um local até com pouca gente, eu havia comido algo antes de entrar e aguardava o horário de partida. Foi quando vi algo que jamais me esquecerei, que jamais do tipo havia visto antes. Estava ali, perante meus olhos: um crocodilo, e dos grandes! Apavorada, tentei mostrar ao rapaz que me acompanhava o que eu via, que não podia ser possível! E que o bicho estava me chamando, pelo meu primeiro nome, me ameaçando, dizendo que ia me devorar!!! O que fazer?? Eu entrei em surto. Com toda boa vontade, o rapaz me acalmou, falou comigo, disse sobre eu deixar o jacaré de lado, que o bicho não ia me pegar porque ele estava ali (e quem seria idiota para num momento daqueles me chamar de doida e dizer que não tinha nada ali? Acredite quendo eu digo: muitos! E piorariam ainda mais a situação). E o animal falava que ia me pegar, me mandava pular na água para eu ver só o que ele faria, me ameaçava, eu em desespero, suando... Depois eu soube que disse coisas que nem lembrava direito, todas sobre o animal, algo de arrancar os cabelos. 
Relatei ao meu médico, ele achou que o medicamento não era suficiente, aumentou algumas coisas. Minha mãe, desesperada, sem saber o que fazer, me levou a outro profissional. Lá eu descobri que o haloperidol pode ter efeito oposto ao esperado em alguns organismos. Era minha segunda prova de que médico algum é a verdade e o saber absolutos.




Então, não, obrigada, mas eu amo meu corpo, não encher ele de porcarias apara me adaptar a esses padrões ridículos pré-impostos pela sociedade de normalidade. Eu NÃO VOU  ao seu psiquiatra, NÃO QUERO o telefone do seu bom médico, minha vida é linda, e sim, eu não preciso dessas porcarias que vão me matar antes que o cigarro teha chance de fazê-lo, ou que podem me deixar completamente estragada para o resto da minha vida. Fique com seu método, eu tenho o meu: tenho meus "problemas" desde quatro anos de idade, e não morri ainda. Não é agora que um bando de laceraçõezinhas no braço vão me matar.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rapsódia V

Num grito abafado e sinistro, retesado
resquício dum soustício bem-amado,
permanece no vício cardial sereno
o desejo suplícito dum sono pleno.


Deidades desdenhosas sorriam empíricas
dos platõnicos suspiros, surdos, oníricos...
dos contos confusos, rabiscados homéricos
de um coração arisco, hermético, sibérico.


Que a voz mais aveludada administre
o dogma verticalizado das verdades
e do enigma mais velose das saudades


seja tecido o segmento do mais rupestre
feito da floresta desse mais bem-quisto
mistério ministrado de solário misto.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ódio

Hoje acordei odiando tudo... odiando a cama que tanta sensação de conforto dava e quase me fez ficar, odiando a louça na pia que, em seus lindos contornos de natureza morta, em plongé, quase me fizeram ficar e lavá-la; ódio profundo do telefone me encarando, quase uma crise furiosa contra o chuveiro quente e acolhedor.  A ira por dentro dos gatos, macios e gentis, segurando-me onde eu não posso estar agora, e ódio dessa inspiração. Inspiração de escrever logo agora, que vontade de derrubar o monitor, gritar e fazer ela parar. Dar-me um susto, jogar as porcelanas na parede, depois ficar quietinha e desenhar o resultado. Vida bandida.
O ódio tem movido-me de forma cabal esses dias: ódio da distância, ódio do tempo arrastando-se, ódio dos detalhes rômbicos dos cantos do apartamento, das peças e do cheiro gostoso daqui, esse espaço que está começando a ficar tão preenchido de lembranças que mal consigo respirar aqui; mas sair piora, lá fora, realmente não respiro, o ar se recusa a entrar, e lá fora está todo um mundo para eu odiar, novas pessoas para eu odiar, novas coisas irritantes e burras, tudo implorando para eu perder o controle e fazer o sangue - alheio ou não - derramar. Quem  nunca pensou em escrever o próprio manual de instruções e distribuir para os próximos? No meu, o guia de "Cuidados com sua segurança" seria enorme... Não sei mais como reagir, ninguém fez-me nada (?) e meus dias continuam os mesmos de sempre! Essa fúria estranha de coisas que não tem culpa, talvez eu só esteja transformando tristeza em raiva, inconformismo em raiva, arte que não transborda-me o corpo em raiva, saudade em raiva. E a raiva se acumula, tira-me o sono, agonia-me os ossos, e faz-me temer cada dia que preciso cruzar a porta e encarar o mundo lá fora, o mundo frágil, mole e quebrável... As mesmas mãos que criam destroem, a mesma mente que se estica num zigue-zague de detalhes minunciosos feitos com os lápis de cor pode sim simular e dissimular tantas formas diferentes de quebrar madeira e ossos que os mortais regulares mal podem imaginar... 
Sinto ódio dessas transformações no meu corpo, essas coisas que o fazem falhar ou atormentar-me de incômodos estranhos; sinto ódio da minha vontade egoísta de livrar-me dele, sinto ódio de ter todo esse sangue e não poder pôr ele do lado de fora do corpo, nem uma parte dele, nem um pingo, sem enlouquecer tudo que eu amo e prezo; sinto ódio de ter essas vontades. Como numa fábrica, tudo alimentado de eletricidade, incluindo os próprios operários, a única energia que ando tendo é a que o meu ódio gera-me e essa energia move-me, é a única que ando conseguindo ter esses cinco dias simples e delicados, que começam quando eu despeço-me, e terminam quando eu digo "oi, o que vamos beber hoje?" Esses malditos dias consumindo-me a razão, esse maldito ódio consumindo-me as forças de sorrir, agravando-me o desejo de quebrar o que é frágil, e quebrar o que não o é, essa força, que esgotada, culmina em dor profunda e ainda menos significada...
Fúria maldita, quase uma cruz, força descomunal para manter o controle, talvez sedada eu estivesse melhor: deixando os pensamentos anestesiarem um pouco, deixando os sentimentos anestesiarem um pouco. Destruir meia dúzia de incrédulos, de irônicos, todos objetos cretinos do dia-a-dia... Única força alheia a todo esse ódio tem sido o amor que sinto, a vontade de os cinco dias terminarem, a ânsia da presença materna em dias aleatórios, a presença dos bichanos... O resto é ódio denso e concentrado, empelotado por dentro e derramado pelos furos do nariz, cantos da boca e pelos ouvidos, pelos olhos - lágrimas, e do interior da mente, bem do fundo, e inundando todo resto.
Talvez finalmente seja a hora de começar a pensar em crescer. 




Eu NUNCA vou me adaptar.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

7 retas


Tudo começou com sete retas mal-feitas... a mão nunca pára de tremer. De sete retas, esticaram-se sete minutos, dos sete minutos, sete horas; sete dias em sequência. As sete retas foram riscadas no cartaz do ponto de ônibus, depois foram cobertas e arredondadas por sete linhas melhores, e por fim, arrematadas durante sete minutos, numa continuidade que um desenho pode ser desenhado, e nunca parar. Boa noite, digo; boa noite à distância, e quem sabe um dia, tão perto que vou sentir tua respiração....
Nem todos nessa vida tem a chance de vivenciar o vislumbre de sua real musa.

Obsessão


Mors sordesium est, Amor non.



Loucura... beirando a loucura, ânsias incontroláveis. A cada novo segredo que se abre, outro segredo é desejado. E em suspiros pausados e bem medidos, uma sequência curiosamente premeditada e em cascata de novos segredos, inesgotáveis. 
Um rim: o primeiro que foi estudado foi aberto, destrinchado, remexido e esquartejado, e desse estudo, mais perguntas se abriram. E abrindo, destrinchando, remexendo e esquartejando, novas perguntas surgem na minha mente pueril. O mundo acontece, as surpresas que os seres humanos pregam e impregnam permanecem as mesmas, sem mistérios; mas um vislumbre, um simples vislumbre de uma cena tua, de um ângulo diferente, me enche de perguntas... E a cada resposta, um novo enigma, e a cada enigma, mais mil novas perguntas. Perguntas tantas que a maioria nem ao menos tem realmente resposta a ser dita, tantos sinais, organizá-las em palavras só poderia ser mais complexo que a resposta em si. 
Expressar-te em arte: detalhes captados, convertidos, aproveitados e derramando dos meus trabalhos... Uma visão tão única de tudo, expressada simploriamente numa linha, numa mancha, num detalhe, numa palavra num poema qualquer, num suspiro quando mastigo o lanche; mais uma sequência de incógnitas à minha mente, mais uma sequência de perguntas, mais uma ânsia por respostas, e o mundo se torna uma tela expressionista gigantesca e trivial novamente. Intrigante.
Laqueio os olhares na tentativa de lê-los; a pátina que deveria aparentar gasta, se revigora na graça da analítica visão de tudo. O charcoal cheio de nuances ainda não possui nuances de claro e escuro suficientes para exprimir todos os seus deégrades... A arte nunca consegue dormir. 
E sob as perguntas, uma sombra densa e confusa, uma sombra onde vivo meus dias, cada vez mais pitorescos e saborosos; na sombra tremo, obstinada, teimando por descobrir todos os segredos, mapear-te como se mapeia um deserto, mas não há nessa existência criatura capaz de mapear um território onde mesmo que caminhando pela eternidade, jamais há de ter real começo e fim... A tentação real, o pecado maior é transcender-te, e num começo e num fim irraigados por belíssimas rachaduras, fazer parte de ponta à ponta daquilo que não sou eu, mas faz parte de mim.
Eis então que vejo-me: tonta, torta, transformada, arredia; nômade-primária-obtusa-petulante, obcecada. Na ponte enorme entre cada pergunta e cada resposta, uma vontade que não faz parte de mim... E surpreende até o mais incomum, pois toda essa extensão de paraíso, cabe na palma da minha mão...

sábado, 12 de setembro de 2009

Era uma vez... (VII)

...Ele. Ele era redescoberta, mistério, graça excêntrica, inteligência, profundidade... Ele era mal-humor, talento, sutileza, expressividade discreta... Magia. Eu fui, sim eu fui onde ele estava. Eu esperei, sim eu esperei. O vento não sufocou minha vontade, o frio não sufocou meu espírito, a noite não sufocou minha necessidade de esperar. Porque ele era desejo, ele era força e ele era teimosia. Eu precisava falar, precisava dizer tudo, precisava sussurrar aqueles segredos, precisava contar. Algo em mim queria gritar, algo em mim queria deslizar suave por aquele olhar... Uma timidez incontida, uma intensidade que ninguém notaria. 
A loucura, a beira da loucura estendida na beirada dos meus pés, porque ele era limite, ele era linha, ele era perda de controle. Sim, eu posso contar e contar de novo essa história, e cada vez que eu contar será a mesma, e novas sensações estarão nas palavras, e novas coisas eu revelarei, e novos horizontes surgiram. Era amor, sim era amor, um amor platônico que despertava de forma assustadora, com força descomunal, e tudo que eu queria era ser ouvida. Eu sabia que um não me esperava, eu tinha quase certeza, mas eu tinha esperança, eu tinha intento, e dentro do que eu queria, eu sabia que tudo daria certo, eu sabia que eu sairia dali com um sorriso no rosto, eu sabia que dali eu sairia com a consciência limpa, que não seria mais um peso o segredo que eu carregava. A lua cortava o céu e logo sumiu por trás do telhado... e ele era lua, e era a luz das estrelas e era o casaco. Eu escrevia por linhas belas, e me surpreendi concebendo um soneto... Porque ele era poesia, ele era lirismo.
O sol surgiu por trás da montanha, sua luz não era suficiente para esquentar meus pés, e sem me dar conta, estávamos cara-a-cara. E ele era emoção, e era confusão, e era voz tremida. E ele foi abrigo, e foi cuidado, e foi preocupação. E ele foi ouvidos, e foi presença, e depois ele foi sim... E sim ele se tornou. 
Um grande espanador... a poeira foi sendo retirada, a verdade foi saindo aos poucos para fora. Do plano do platônico para o plano do real. E foi assim que aconteceu.
E ele se tornou Tudo. Porque tudo ele já era, mas eu não sabia; porque tudo já estava ali nele, mas eu não aceitava. Porque ele era. Ele era ele. E dessa forma ele era eu. E eu ascendi por ele, tudo ali nada mais significava, éramos dois no meio de mil, éramos um.

Era uma vez... (VI)

... o Impulso. Aquele que se dizia meu aprendiz, se tornou meu salvador. Aquele que se dizia meu amigo, se tornou meu lar. E aquela que se declarou minha rival, se ajeitou ao meu lado por um ideal comum: que meu passado ficasse para trás. Gratidão, dívida, hei de pagar por essas gotas de suor, cada uma delas, dez vezes mais do que fizeram por mim, dez vezes mais porque fizeram sem esperar por nada em troca. Se saciavam do meu sorriso, e eu renascia numa fase onde eu era pássaro livre, livre de voar e livre de escolher, tudo jogado, com primor, de volta nas minhas mãos por essas seis mãos valiosas. Uma delas segurou na minha, me fez ficar de pé novamente; a outra me manteve sustentada. Uma outra me sacudiu a poeira, e seu par me apontou um novo caminho. E a quinta e a sexta, me arrancaram de dentro aquela emoção antiga, que vibrava lenta e gélida, que estava ali ainda... A sexta me atirou de volta ao passado. Não um passado solterrado de poeira, mas um passado de coisas que não haviam sido realizadas ainda. Arregacei as mãos e senti o mundo: a noite densa, as escolhas tomando tudo em mim. Mas a coragem ainda não era suficiente, eu novamente iria deixar o lampejo passar, eu novamente me acovardaria de dizer, eu novamente deixaria tudo passar, deixaria as coisas escoarem, aquela emoção perfeita dormiria novamente, aquelas sensações complexas ficariam embaçadas de novo. Isso se não fosse o vislumbre da praia...
O mar ia e vinha; ele era sonoro, arrepiado e saboroso, ele se movia e o mundo continuava a girar. Decidi, de vez, que mesmo que o mundo me negasse tudo, eu não me negaria mais aquele direito de sentir o que sentia. Eu tinha direito, EU TINHA ESSE DIREITO! Eu tinha o direito de errar, eu tinha o direito de me enganar, eu tinha o direito de dizer e de me expressar, eu não ia deixar dormir de novo! As circunstâncias não me vitimariam novamente. Atei mãos, conduzia os passos ligeiros o melhor possível, mas a tensão não me deixavam arrumar as palavras direito. Eu sabia o que estava acontecendo, eu via aqueles olhos assombrosos e profundos, eu via um mundo de verdades se escancarando. Agarrei o mais forte que eu podia nos sinais perturbadores que havia recebido dele, e do mundo, e da minha existência, e arrisquei. Arrisquei tudo, jogaria tudo fora sem pestanejar só para saber, eu precisava mais que tudo saber. Mas eu não soube. Um beijo num ponto de ônibus, o borrado da cidade gritando os sons dos mecanismos fumacentos por toda parte; uma música, em mim, surgiu. Ela tocou, me embalou, e foi difícil demais ver aqueles passos decididos levarem aquele olhar e aquele beijo para longe de mim. Olhei as coisas caídas pelo chão: senti certa culpa porque havia quebrado, sim, havia coisas ali que eu quebrara e que não havia forma de colar. Nunca quis machucar ninguém para poder sorrir. Mas às vezes pode acontecer. Poupo-me da parte de desculpas.

Era uma vez... (V)

...a Confusão. O coração rifável foi arrebatado, carregado de mim, e um buraco no meu peito ficou. Por meses eu busquei pelo meu eu por trás das máscaras, e o achei. Gostei do que vi, reservei uma última máscara para proteção, e o resto era interior, o resto era álcool, o resto era aperto e vontade. Novas emoções me dominaram, novas chances de sorrir falsas me surgiram. Nesse momento, eu ouvia dele as palavras, eu me comunicava escrevendo, eu me comunicava esperando, e o contato foi reestabelecido. Numa escolha errada eu afundei, sem nenhum lugar para segurar, sem nenhuma esperança de sucesso, sem nada que pudesse me manter respirando. Mas eu briguei, e como briguei para ficar viva. E então, um dia, açoitada por coisas incompreensíveis para mim naquele momento, abri a máquina perante mim e olhei, com surpresa: ele não estava ali. Esperei dias, esperei resposta, elas não vieram. Esperei o dia que ele voltaria a aparecer naquela janela, do outro lado do vidro gelado na rede, e não aconteceu. Sem ter mais como fazer, entreguei-me à circunstância. Uma ilusão bonita, bem bonita, autruísmo, salvei do desespero uma pessoa que ao desespero me atirou. Reciclava o que eu sentia, mantinha tudo sob meu olhar crítico, e gostava cada vez menos. Fui traída, diminuída a uma qualquer, fui usada e depois fui dispensada. Era fatal: jamais devia ter-me deixado entrar numa situação na qual eu sabia que entrava para me dar mal. No meio do caos que eu sofria, me vi diante dele uma outra vez e a sensação era única: meu eu comum e sem graça se sentiu com graça, palavras trocadas, olhares, eu ignorava com tamanha força aquela afeição que jamais teria percebido que, de certa forma, poderia ser mútua.
Quando finalmente o último ladrilho de chão me foi puxado e entrei em queda, um grito da garanta o fez voltar... Eu gritava, me debatia, negava ajuda... E ao lado dele, um grande amigo estiveram. Telefonemas, conversas longas e cheias de desabafo, uma dor que eu diluia, aos poucos, mas não conseguia jogar para fora. Meu corpo quase padeceu, minhas energias pararam de me responder, minha vida parou de existir. Meu coração não estava em mim. Um vazio profundo, um medo inacabável de perder o que ainda restava de mim em mim - salva-me... - uma desesperança total em tudo que poderia ser belo e verdadeiro. Uma agonia sem fim - salva-me... - me consumindo. Morram, todos os sonhos, MORRAM DE UMA VEZ, me deixem em paz para existir nessa casca. Era o fim. Uma garrafa numa mão, um cigarro na outra, os ossos expostos. 

Era uma vez... (IV)

... a Solitude. Era veio arrebatadora! Eu me despedi da vida que levava na antiga moradia, pisquei o flash uma última vez para momentos de lá, e carreguei comigo tudo que eu pude. Mas muitas lembranças lá ficaram, muitas não tinham valor. Minha casa, que um dia fora cheia de risos, cheia de gritos, agora estava vazia. Abandonei algumas coisas para recomeçar: uma nova fase, onde eu faria tudo porque gosto, e não porque preciso. Havia feito minha escolha de ser artista, de seguir carreira restaurando, e criar livre e leve nas horas vagas. Não havia em mim arte alguma. Não havia em mim graça alguma. Eu me sentei na minha prórpria vida, olhei para ela contemplativa e vi minhas conquistas. Belas conquistas, senti orgulho. Vi também coisas pelas quais tanto eu lutara e nada conseguira alcansar... Dor. Senti-me comprável por qualquer carinho, senti-me à rifa por qualquer cuidado que pudesse receber de um estranho perigoso; perdi completamente a concepção de missão, de destino, de sorte e azar... De repente, deixei de ser eu. Tanta coisa que as coisas ruins me ensinaram, mas eu continuava "um trapaceiro que não conhece a solidão", e dessa forma fui preenchendo as formas vazias com futilidades e abstrações. E, de repente, aquele degrau da umbra me caiu no colo novamente. Senti vontade de voltar onde eu disse que jamais voltaria, sentir vontade de falar com quem eu disse que jamais voltaria a falar, e assim, novamente meu tormento cai no meu colo. Tudo começou com contatos esparços, culminando num encontro pessoalmente. Nada de relevante para este conto aconteceu, ao menos não comigo. E eu voltei lá. E ele estava lá. Por uma noite inteira, tensa, me debati entre as circunstâncias e seus lindos cabelos compridos... Via-me às vezes perder o controle, e admirar... Era mais belo do que a escultura que o amor fizera outrora. E ali o amor brotou para fora de novo. Arrepios, dúvidas, vontades sufocadas, aquilo não podia ser só atração física. Os ocorridos ficaram vagos, exceto uma cena da noite que não deu para esquecer. Eu ri, eu dei gritinhos, eu me mexi estremecendo a cada movimento brusco. Meu coração estava ali, à rifa, baratinho, fácil de ser alcansado... mas ninguém o fez. Ninguém o queria. Ou era o que eu pensava.

Era uma vez... (III)

...a Tristeza. Era gelado ali onde eu estava, era solitário. Ao meu lado, havia alguém, e esse alguém ali era como se não houvesse. Tentei correr de muitos demônios interiores, tentei achar um caminho paralelo à aquilo tudo. A sensação de querer e não ter, a sensação de devir por dentro, embaixo da máscara, uma voz que gritava coisas estranhas aos meus ouvidos. Eu estava incompleta, despedaçada, e sem forças para juntar. A esperança foi desfeita por palavras cruéis. O sonho bonito descia pelo ralo. Metade de mim era dúvida, a outra metade era fuga. Por dentro, eu estava segura. Minha casca endureceu, e eu dei adeus àquele que tanto de mim havia tomado. Juntei minhas poucas partes intactas, levei embora de toda aquela desilusão. 
Eu via que meu amado continuava seguindo seu caminho, eu via que o que estava ao meu lado fazia o mesmo, mas tudo que eu sentia era tristeza. Algo faltava, algo que eu não entendia direito o que era, mas era insistente em me deixar naquele estado... Eu apertava lembranças entre os dedos, e as coisas seguiam seu curso sem mim. Logo uma outra moça estava ao lado dele, e eu finalmente consegui me libertar da pessoa que estava ao meu lado. Outra pessoa havia igualmente se prostrado ao meu lado, paciente e submisso, e logo, tudo que eu era era saudade. Solterrada sob os momentos engraçados e bonitinhos que eu vivia na época, senti um alívio suave. Foi uma despedida e as notícias que eu recebia de tudo eram sempre de terceira mão. Eu perdi a noção do nosso tempo, do nosso espaço, passei por alguns maus bocados, mas nada que não tenha ido escoando e desaparecendo. E o resto de 2007 assim foi, e eu não voltei mais lá. Na minha cabeça, sabia que ele provavelmente nem lembrava mais de mim. Talvez, num plano mais externo de consciência, eu também não. Fechado. Bloqueado. Conformação, coisas reunidas nas mãos, e não voltei. Nunca mais voltaria. Tudo ali ficara no passado e no substrato. E no decorrer, eu já não precisava mais dele. Aprendi a levar as coisas sem o que eu desejava com minhas forças confusas no meu interior. Adeus.

Era uma vez... (II)

... o Amor. Ele não era comportado. Ele não gostava de ficar quietinho. Ele se fingia dormindo, mas às vezes me surpreendia de forma a me deixar tonta e sem reação. A estátua que fazia dele era cheia de belas rachaduras, o amor esculpia maravilhosamente bem; e ele, meu chavalier, nem sabia... Curioso como tudo ficava no plano da sutileza, e as trocas de sutileza sempre estavam mascaradas demais pelos preconceitos e dogmas pré-impostos para serem notadas e levadas em consideração. Eu queria correr e saltar na direção daquilo que minha cabeça me dizia ser o certo; minhas emoções fluiam ao um mesmo lago que minha razão. Eu olhava a figura do meu lado: ser desprovido de grandiosos talentos, ser desprovido de grandiosas demonstrações. Pessoa, unitária sim, mas massificada num sistema de trocas de interesses que me pareciam tamanho desinteressante...e eu o olhava. Via nele ali uma porta para coisas inimagináveis; sorrisos, saudades, romances sacudidos e explosivos, contidos sempre em sussurros... Eu via aquela que estava no lugar onde eu queria estar. Eu via seus talentos, suas qualidades, e pequena me sentia. Enquanto isso, aquele ao meu lado traia a si mesmo traçando os padrões belos e perfeitos daquele que eu amava em segredo: seus talentos, seus humores, suas tendências, tudo me levando a amar mais e mais. E quem estava ao meu lado nem imaginadva que atirava contra a própria cabeça! Uma moral e um amor fraternal me faziam guardar cada vez mais aquele amor, mas nos meus silêncios prolongados, nos meus suspiros ansiosos, tudo que eu via era aquela realidade paralela. E então eu desejei amor correspondido. E então eu desejei a chance da moça ao lado dele, e eu desejei um pedacinho, mesmo que mínimo daquilo que os dois compartilhavam. Eu sonhava acordada, tremia sob os olhares e gelava à voz firme e suave. 
Eu olhava cruelmente para a situação. Eu via nos erros do que estava ao meu lado mais qualidades para meu amado, eu via as faltas que ele tinha, que meu amado não possuia. Eu via seus dons, suas nuances, seu jeito de segurar o copo, a forma de se curvar gentilmente para beijar a minha mão... Mas a verdade era que não havia nada o que eu pudesse fazer; meu amado era melhor amigo daquele ao meu lado. Era um crime, um terrível crime pensar daquela forma. E, por isso, eu decidi que fingiria que não pensava aquilo. E consegui fingir bem.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Era uma vez...

... Eu. Na época eu tinha essa pessoa ao meu lado, essa pessoa mascarada, essa pessoa de bela máscara, recheio feio. Essa pessoa que devia me defender, e me expunha. Essa pessoa que me usava como atributo social em sua ficha idiota, essa pessoa que costumava deslizar silenciosa suas patas sujas por sobre tudo que eu conquistava. Essa pessoa que admirava apenas o meu talento de usar igualmente bela máscara, essa pessoa que me confundia e dessa forma, me mantinha fraca. Era eu o troféu: exibir-me para o mundo, a beleza que eu não possuia, a submição que eu nunca tive, a graça que eu não carregava, e assim, uma máscara eu recebi também. E foi essa máscara deformada e torta que as pessoas viram... foi essa máscara translúcida, essa capa desleal. Através dela sorriso não passava. Através dela, luz não passava, não a luz natural. E o mistério do que estava por baixo era aterrador demais para que me fosse permitido qualquer vislumbre demasiado. E assim foi. E assim ficou, assim ficou por três longos meses. E dessa mesma forma, se ousou repetir. E novamente eu fui emganada, exposta a perigos que eu nem fazia idéia. Mas alguém viu a máscara... era ele. Ele me olhava de um jeito único, de uma forma tão profunda que desmenbrava minha máscara, enfraquecia minhas defesas. Ele era perigo, ele era desfrute, ele era pura loucura enclausurada numa calma surreal. Ele era como eu um dia seria. Ele era ele, ele era uma parte de mim que eu admirava... Eu não era nada. Mas para ele, eu era muito. Para ele eu era perda de tempo boa o suficiente para ele arriscar o pescoço e para me tirar da furada. A notícia chegou aos meus ouvidos: eu nem podia acreditar no que ouvia... meus olhares curiosos, criança gritando em mim aquelas características interessantes e magnéticas... e veja o que ele tinha feito! Pelos deuses... foi ali que eu consegui vislumbrar aquela casinha num lugar qualquer, aquele jardim de tulipas e ele na varanda, com um livro pesado nas mãos, sentado em uma cadeira de vime. Eu visualizei uma mulher ali, eu visualizei sorrisos, anéis, mãos atando, tulipas em ambas as mãos, uma mão no ombro, o livro repousando sobre a cadeira... mas quando voltei a mim, caiu-me a notícia de que ele estaria na casa, estaria sim, com o livro o mesmo livro!, a cadeira, as tulipas... a mulher! A mulher não seria eu. Lágrimas me fizeram temer pelo que de ruim poderia acontecer a ele, senti um medo monstruoso me engolindo, uma incerteza petrificante... Um talvez que eu logo matei havia surgido. E o talvez me fez regar um amor... platônico, sim, mas que estava ali. E depois, peguei o amor e botei ele para dormir.

sábado, 5 de setembro de 2009

Metade

Sim, eu vou falar de amor. Sim, eu vou falar de eternidade, vou falar de laço, vou falar de união e vou respirar esses temas. Sim, eu vou colocar tudo no mundo lado a lado com isso, pois do amor faço arte, do amor, faço pensamento, do amor faço trivialidade e do amor faço compromisso. E não se assuste se, um dia, do amor eu fizer mudança, fizer revelação, fizer florescer ou fizer religião.



Metade


Que a força do medo que eu tenho, 
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito 
não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, 
mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe, 
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo 
seja para sempre amada 
mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo 
não sejam ouvidas como prece 
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas, 
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço, 
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora 
se transforme na calma e na paz 
que eu mereço.
E que essa tensão 
que me corrói por dentro 
seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto, 
um doce sorriso, 
que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim 
é a lembrança do que fui, 
a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria 
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio 
me fale cada vez mais.
Porque metade de mim 
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta, 
mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar 
porque é preciso simplicidade 
para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor, 
e a outra metade...
também.


Esse texto não é de minha autoria, beijos. 

Vanitas

Vanitas: forma de expressão artística relacionada com vaidade, finitude da vida e de seus componentes, transformação da juventude em velhice. Temporariedade das coisas da vida. De onde somos, para onde vamos?
A juventude está cega. Trata-se, fere-se e rasga-se em mesas de cirurgia em busca de prolongar a superficialidade da juventude. A procura constante pela vida eterna na medicina: cada tratamento que surge acrescentando mais alguns anos para os infelizes com problemas deletérios. Maior duração da vida com certeza é igual a mais tempo de trivialidades, mais tempo de estudos, mais tempo de aproveitamento do mundo. A vida eterna? Conceito burro de mais para que eu dê qualquer importância nesse texto. Para quebrar esse clima de vanitas do mundo, surgem alguns iluminados; algumas pessoas que enxergam além disso. Aí vem o conceito verdadeiro de vida eterna.
Duas almas livres que se cruzam, se encaixam, se enovelam e, por uma grande ironia do destino, se completam. Orgulho, arrependimento, espera, fidelidade, dúvida: conceitos bem conhecidos por estes. Toda uma trilha anterior de afinidades diluídas, discretas e secretas, num mudo que não entenderia. E agora, por grande surpresa do destino, ele entende. O mundo está, como sempre, pondo seus obstáculos naturais, mas dessa vez, também põe coisas a favor.
A obsessão por conhecimento, a busca de um talento maior, o narcisismo. Almas cruzadas em aspectos diversos. A ebriedade da paixão, um grande amor que quase se deitou em sofrimento. A força de lutar. Mãos dadas num mesmo caminho em direção à morte - morreremos juntos? A vaidade que nos ronda vibrando numa mesma sinfonia. A morte que nos ronda vibrando numa mesma sonata. O laço que nos une vibrando num mesmo objetivo. A sorte lançada, esperança, caos, sabedoria.
O conhecimento há de se esvair... a beleza assim irá pelo mesmo caminho. O talento maior há de se desfazer na frivolidade da terra, e morre assim os corpos - a fonte sagrada de nutrientes para um mar ou um vento frio de inverno. De onde somos, para onde vamos? Somos de um lugar onde não importa de onde somos, vamos para um lugar que não importa, pois as mãos estarão atadas. A comunhão profana entre dois corpos, a comunhão etérea entre duas almas, num mosaico digno de Fibonacci e seu número, digno do número 3. Se era para ser, está sendo. E era para ser. E quando a terra nos consumir, virá a vida eterna: não a eternidade do espírito, ou a eternidade de nossas obras, mas a eternidade do amor; um amor tão grande, que nem a frieza da terra há de consumir...