quarta-feira, 18 de julho de 2012

Á Morte e ao Amado

I
Se eu pudesse escrever silêncios
e trovar as noites mal dormidas
todas as palavras seriam vencidas
e a vida dividida em novênios

E no decorrer de tantos milênios
uma alma que ficou sepultada
se reergueria desencontrada
nidada em carreiras de hidrogênio

e a morte que foi vencida
deixada de lado em véus, amada,
seria novamente abandonada

só que dessa vez seria trazida
e apaixonada de quando em quando
pelo amor que não mais a ela pertencia.


II
E sobre sua face prateada reluzia
as luzes mais frias do inverno
e sobre seu olhar ameno e terno
a chama apaixonada que induzia

o furor eterno dos violoncelos
e as lápides lunares que se viam
e sob estrelas que mais brilhavam
os cantares mais profundamente belos

e ao amor da morte, que abandonada
chorou quieta e se despediu contente
mas jurou voltar impune ao fim

pois amar tanto tal face fria
à intensidade profusa e veemente
que o desfecho só a ela caberia.


III
O desfecho mais doce de todos
é esse o que eu mais aguardo
o dia que tal face, em resguardo
há de resguardar meus segredos tolos

E de noites mal-dormidas, a luz que enlaça
a delgada silhueta pálida e mal coberta
e a languidez úmida da boca aberta
contra a lucidez frígida da manhã baça

Um tudo energizado do profundo adorno
uma graça curvada à luxúria amena
e toda a beleza esquecida do entorno

E um suspiro profundo do amor pleno
e a dor cativa do gozo lúcido!
A beleza simples de um rosto heleno...


IV
E se um dia um adeus eu ouvisse
jamais igual adeus poderia eu dizer
mesmo que esse adeus me fizesse ver
o encanto belo de tudo que não se disse

E se esse adeus viesse craquelado
duma boca a qual um dia prazeres disse
eu em mim talvez jamais o admitisse
e guardasse dessa palavra segredo velado

Derramaria, de prantos, uma enchurrada
e demente e perdida me deixaria cair
nos braços, novamente, de minha velha amada

E a morte, excitada, me abraçaria triste
pelo corpo que possuiria silenciosa
perversa amante e eterna desalmada!