sábado, 12 de setembro de 2009

Era uma vez... (VII)

...Ele. Ele era redescoberta, mistério, graça excêntrica, inteligência, profundidade... Ele era mal-humor, talento, sutileza, expressividade discreta... Magia. Eu fui, sim eu fui onde ele estava. Eu esperei, sim eu esperei. O vento não sufocou minha vontade, o frio não sufocou meu espírito, a noite não sufocou minha necessidade de esperar. Porque ele era desejo, ele era força e ele era teimosia. Eu precisava falar, precisava dizer tudo, precisava sussurrar aqueles segredos, precisava contar. Algo em mim queria gritar, algo em mim queria deslizar suave por aquele olhar... Uma timidez incontida, uma intensidade que ninguém notaria. 
A loucura, a beira da loucura estendida na beirada dos meus pés, porque ele era limite, ele era linha, ele era perda de controle. Sim, eu posso contar e contar de novo essa história, e cada vez que eu contar será a mesma, e novas sensações estarão nas palavras, e novas coisas eu revelarei, e novos horizontes surgiram. Era amor, sim era amor, um amor platônico que despertava de forma assustadora, com força descomunal, e tudo que eu queria era ser ouvida. Eu sabia que um não me esperava, eu tinha quase certeza, mas eu tinha esperança, eu tinha intento, e dentro do que eu queria, eu sabia que tudo daria certo, eu sabia que eu sairia dali com um sorriso no rosto, eu sabia que dali eu sairia com a consciência limpa, que não seria mais um peso o segredo que eu carregava. A lua cortava o céu e logo sumiu por trás do telhado... e ele era lua, e era a luz das estrelas e era o casaco. Eu escrevia por linhas belas, e me surpreendi concebendo um soneto... Porque ele era poesia, ele era lirismo.
O sol surgiu por trás da montanha, sua luz não era suficiente para esquentar meus pés, e sem me dar conta, estávamos cara-a-cara. E ele era emoção, e era confusão, e era voz tremida. E ele foi abrigo, e foi cuidado, e foi preocupação. E ele foi ouvidos, e foi presença, e depois ele foi sim... E sim ele se tornou. 
Um grande espanador... a poeira foi sendo retirada, a verdade foi saindo aos poucos para fora. Do plano do platônico para o plano do real. E foi assim que aconteceu.
E ele se tornou Tudo. Porque tudo ele já era, mas eu não sabia; porque tudo já estava ali nele, mas eu não aceitava. Porque ele era. Ele era ele. E dessa forma ele era eu. E eu ascendi por ele, tudo ali nada mais significava, éramos dois no meio de mil, éramos um.

Era uma vez... (VI)

... o Impulso. Aquele que se dizia meu aprendiz, se tornou meu salvador. Aquele que se dizia meu amigo, se tornou meu lar. E aquela que se declarou minha rival, se ajeitou ao meu lado por um ideal comum: que meu passado ficasse para trás. Gratidão, dívida, hei de pagar por essas gotas de suor, cada uma delas, dez vezes mais do que fizeram por mim, dez vezes mais porque fizeram sem esperar por nada em troca. Se saciavam do meu sorriso, e eu renascia numa fase onde eu era pássaro livre, livre de voar e livre de escolher, tudo jogado, com primor, de volta nas minhas mãos por essas seis mãos valiosas. Uma delas segurou na minha, me fez ficar de pé novamente; a outra me manteve sustentada. Uma outra me sacudiu a poeira, e seu par me apontou um novo caminho. E a quinta e a sexta, me arrancaram de dentro aquela emoção antiga, que vibrava lenta e gélida, que estava ali ainda... A sexta me atirou de volta ao passado. Não um passado solterrado de poeira, mas um passado de coisas que não haviam sido realizadas ainda. Arregacei as mãos e senti o mundo: a noite densa, as escolhas tomando tudo em mim. Mas a coragem ainda não era suficiente, eu novamente iria deixar o lampejo passar, eu novamente me acovardaria de dizer, eu novamente deixaria tudo passar, deixaria as coisas escoarem, aquela emoção perfeita dormiria novamente, aquelas sensações complexas ficariam embaçadas de novo. Isso se não fosse o vislumbre da praia...
O mar ia e vinha; ele era sonoro, arrepiado e saboroso, ele se movia e o mundo continuava a girar. Decidi, de vez, que mesmo que o mundo me negasse tudo, eu não me negaria mais aquele direito de sentir o que sentia. Eu tinha direito, EU TINHA ESSE DIREITO! Eu tinha o direito de errar, eu tinha o direito de me enganar, eu tinha o direito de dizer e de me expressar, eu não ia deixar dormir de novo! As circunstâncias não me vitimariam novamente. Atei mãos, conduzia os passos ligeiros o melhor possível, mas a tensão não me deixavam arrumar as palavras direito. Eu sabia o que estava acontecendo, eu via aqueles olhos assombrosos e profundos, eu via um mundo de verdades se escancarando. Agarrei o mais forte que eu podia nos sinais perturbadores que havia recebido dele, e do mundo, e da minha existência, e arrisquei. Arrisquei tudo, jogaria tudo fora sem pestanejar só para saber, eu precisava mais que tudo saber. Mas eu não soube. Um beijo num ponto de ônibus, o borrado da cidade gritando os sons dos mecanismos fumacentos por toda parte; uma música, em mim, surgiu. Ela tocou, me embalou, e foi difícil demais ver aqueles passos decididos levarem aquele olhar e aquele beijo para longe de mim. Olhei as coisas caídas pelo chão: senti certa culpa porque havia quebrado, sim, havia coisas ali que eu quebrara e que não havia forma de colar. Nunca quis machucar ninguém para poder sorrir. Mas às vezes pode acontecer. Poupo-me da parte de desculpas.

Era uma vez... (V)

...a Confusão. O coração rifável foi arrebatado, carregado de mim, e um buraco no meu peito ficou. Por meses eu busquei pelo meu eu por trás das máscaras, e o achei. Gostei do que vi, reservei uma última máscara para proteção, e o resto era interior, o resto era álcool, o resto era aperto e vontade. Novas emoções me dominaram, novas chances de sorrir falsas me surgiram. Nesse momento, eu ouvia dele as palavras, eu me comunicava escrevendo, eu me comunicava esperando, e o contato foi reestabelecido. Numa escolha errada eu afundei, sem nenhum lugar para segurar, sem nenhuma esperança de sucesso, sem nada que pudesse me manter respirando. Mas eu briguei, e como briguei para ficar viva. E então, um dia, açoitada por coisas incompreensíveis para mim naquele momento, abri a máquina perante mim e olhei, com surpresa: ele não estava ali. Esperei dias, esperei resposta, elas não vieram. Esperei o dia que ele voltaria a aparecer naquela janela, do outro lado do vidro gelado na rede, e não aconteceu. Sem ter mais como fazer, entreguei-me à circunstância. Uma ilusão bonita, bem bonita, autruísmo, salvei do desespero uma pessoa que ao desespero me atirou. Reciclava o que eu sentia, mantinha tudo sob meu olhar crítico, e gostava cada vez menos. Fui traída, diminuída a uma qualquer, fui usada e depois fui dispensada. Era fatal: jamais devia ter-me deixado entrar numa situação na qual eu sabia que entrava para me dar mal. No meio do caos que eu sofria, me vi diante dele uma outra vez e a sensação era única: meu eu comum e sem graça se sentiu com graça, palavras trocadas, olhares, eu ignorava com tamanha força aquela afeição que jamais teria percebido que, de certa forma, poderia ser mútua.
Quando finalmente o último ladrilho de chão me foi puxado e entrei em queda, um grito da garanta o fez voltar... Eu gritava, me debatia, negava ajuda... E ao lado dele, um grande amigo estiveram. Telefonemas, conversas longas e cheias de desabafo, uma dor que eu diluia, aos poucos, mas não conseguia jogar para fora. Meu corpo quase padeceu, minhas energias pararam de me responder, minha vida parou de existir. Meu coração não estava em mim. Um vazio profundo, um medo inacabável de perder o que ainda restava de mim em mim - salva-me... - uma desesperança total em tudo que poderia ser belo e verdadeiro. Uma agonia sem fim - salva-me... - me consumindo. Morram, todos os sonhos, MORRAM DE UMA VEZ, me deixem em paz para existir nessa casca. Era o fim. Uma garrafa numa mão, um cigarro na outra, os ossos expostos. 

Era uma vez... (IV)

... a Solitude. Era veio arrebatadora! Eu me despedi da vida que levava na antiga moradia, pisquei o flash uma última vez para momentos de lá, e carreguei comigo tudo que eu pude. Mas muitas lembranças lá ficaram, muitas não tinham valor. Minha casa, que um dia fora cheia de risos, cheia de gritos, agora estava vazia. Abandonei algumas coisas para recomeçar: uma nova fase, onde eu faria tudo porque gosto, e não porque preciso. Havia feito minha escolha de ser artista, de seguir carreira restaurando, e criar livre e leve nas horas vagas. Não havia em mim arte alguma. Não havia em mim graça alguma. Eu me sentei na minha prórpria vida, olhei para ela contemplativa e vi minhas conquistas. Belas conquistas, senti orgulho. Vi também coisas pelas quais tanto eu lutara e nada conseguira alcansar... Dor. Senti-me comprável por qualquer carinho, senti-me à rifa por qualquer cuidado que pudesse receber de um estranho perigoso; perdi completamente a concepção de missão, de destino, de sorte e azar... De repente, deixei de ser eu. Tanta coisa que as coisas ruins me ensinaram, mas eu continuava "um trapaceiro que não conhece a solidão", e dessa forma fui preenchendo as formas vazias com futilidades e abstrações. E, de repente, aquele degrau da umbra me caiu no colo novamente. Senti vontade de voltar onde eu disse que jamais voltaria, sentir vontade de falar com quem eu disse que jamais voltaria a falar, e assim, novamente meu tormento cai no meu colo. Tudo começou com contatos esparços, culminando num encontro pessoalmente. Nada de relevante para este conto aconteceu, ao menos não comigo. E eu voltei lá. E ele estava lá. Por uma noite inteira, tensa, me debati entre as circunstâncias e seus lindos cabelos compridos... Via-me às vezes perder o controle, e admirar... Era mais belo do que a escultura que o amor fizera outrora. E ali o amor brotou para fora de novo. Arrepios, dúvidas, vontades sufocadas, aquilo não podia ser só atração física. Os ocorridos ficaram vagos, exceto uma cena da noite que não deu para esquecer. Eu ri, eu dei gritinhos, eu me mexi estremecendo a cada movimento brusco. Meu coração estava ali, à rifa, baratinho, fácil de ser alcansado... mas ninguém o fez. Ninguém o queria. Ou era o que eu pensava.

Era uma vez... (III)

...a Tristeza. Era gelado ali onde eu estava, era solitário. Ao meu lado, havia alguém, e esse alguém ali era como se não houvesse. Tentei correr de muitos demônios interiores, tentei achar um caminho paralelo à aquilo tudo. A sensação de querer e não ter, a sensação de devir por dentro, embaixo da máscara, uma voz que gritava coisas estranhas aos meus ouvidos. Eu estava incompleta, despedaçada, e sem forças para juntar. A esperança foi desfeita por palavras cruéis. O sonho bonito descia pelo ralo. Metade de mim era dúvida, a outra metade era fuga. Por dentro, eu estava segura. Minha casca endureceu, e eu dei adeus àquele que tanto de mim havia tomado. Juntei minhas poucas partes intactas, levei embora de toda aquela desilusão. 
Eu via que meu amado continuava seguindo seu caminho, eu via que o que estava ao meu lado fazia o mesmo, mas tudo que eu sentia era tristeza. Algo faltava, algo que eu não entendia direito o que era, mas era insistente em me deixar naquele estado... Eu apertava lembranças entre os dedos, e as coisas seguiam seu curso sem mim. Logo uma outra moça estava ao lado dele, e eu finalmente consegui me libertar da pessoa que estava ao meu lado. Outra pessoa havia igualmente se prostrado ao meu lado, paciente e submisso, e logo, tudo que eu era era saudade. Solterrada sob os momentos engraçados e bonitinhos que eu vivia na época, senti um alívio suave. Foi uma despedida e as notícias que eu recebia de tudo eram sempre de terceira mão. Eu perdi a noção do nosso tempo, do nosso espaço, passei por alguns maus bocados, mas nada que não tenha ido escoando e desaparecendo. E o resto de 2007 assim foi, e eu não voltei mais lá. Na minha cabeça, sabia que ele provavelmente nem lembrava mais de mim. Talvez, num plano mais externo de consciência, eu também não. Fechado. Bloqueado. Conformação, coisas reunidas nas mãos, e não voltei. Nunca mais voltaria. Tudo ali ficara no passado e no substrato. E no decorrer, eu já não precisava mais dele. Aprendi a levar as coisas sem o que eu desejava com minhas forças confusas no meu interior. Adeus.

Era uma vez... (II)

... o Amor. Ele não era comportado. Ele não gostava de ficar quietinho. Ele se fingia dormindo, mas às vezes me surpreendia de forma a me deixar tonta e sem reação. A estátua que fazia dele era cheia de belas rachaduras, o amor esculpia maravilhosamente bem; e ele, meu chavalier, nem sabia... Curioso como tudo ficava no plano da sutileza, e as trocas de sutileza sempre estavam mascaradas demais pelos preconceitos e dogmas pré-impostos para serem notadas e levadas em consideração. Eu queria correr e saltar na direção daquilo que minha cabeça me dizia ser o certo; minhas emoções fluiam ao um mesmo lago que minha razão. Eu olhava a figura do meu lado: ser desprovido de grandiosos talentos, ser desprovido de grandiosas demonstrações. Pessoa, unitária sim, mas massificada num sistema de trocas de interesses que me pareciam tamanho desinteressante...e eu o olhava. Via nele ali uma porta para coisas inimagináveis; sorrisos, saudades, romances sacudidos e explosivos, contidos sempre em sussurros... Eu via aquela que estava no lugar onde eu queria estar. Eu via seus talentos, suas qualidades, e pequena me sentia. Enquanto isso, aquele ao meu lado traia a si mesmo traçando os padrões belos e perfeitos daquele que eu amava em segredo: seus talentos, seus humores, suas tendências, tudo me levando a amar mais e mais. E quem estava ao meu lado nem imaginadva que atirava contra a própria cabeça! Uma moral e um amor fraternal me faziam guardar cada vez mais aquele amor, mas nos meus silêncios prolongados, nos meus suspiros ansiosos, tudo que eu via era aquela realidade paralela. E então eu desejei amor correspondido. E então eu desejei a chance da moça ao lado dele, e eu desejei um pedacinho, mesmo que mínimo daquilo que os dois compartilhavam. Eu sonhava acordada, tremia sob os olhares e gelava à voz firme e suave. 
Eu olhava cruelmente para a situação. Eu via nos erros do que estava ao meu lado mais qualidades para meu amado, eu via as faltas que ele tinha, que meu amado não possuia. Eu via seus dons, suas nuances, seu jeito de segurar o copo, a forma de se curvar gentilmente para beijar a minha mão... Mas a verdade era que não havia nada o que eu pudesse fazer; meu amado era melhor amigo daquele ao meu lado. Era um crime, um terrível crime pensar daquela forma. E, por isso, eu decidi que fingiria que não pensava aquilo. E consegui fingir bem.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Era uma vez...

... Eu. Na época eu tinha essa pessoa ao meu lado, essa pessoa mascarada, essa pessoa de bela máscara, recheio feio. Essa pessoa que devia me defender, e me expunha. Essa pessoa que me usava como atributo social em sua ficha idiota, essa pessoa que costumava deslizar silenciosa suas patas sujas por sobre tudo que eu conquistava. Essa pessoa que admirava apenas o meu talento de usar igualmente bela máscara, essa pessoa que me confundia e dessa forma, me mantinha fraca. Era eu o troféu: exibir-me para o mundo, a beleza que eu não possuia, a submição que eu nunca tive, a graça que eu não carregava, e assim, uma máscara eu recebi também. E foi essa máscara deformada e torta que as pessoas viram... foi essa máscara translúcida, essa capa desleal. Através dela sorriso não passava. Através dela, luz não passava, não a luz natural. E o mistério do que estava por baixo era aterrador demais para que me fosse permitido qualquer vislumbre demasiado. E assim foi. E assim ficou, assim ficou por três longos meses. E dessa mesma forma, se ousou repetir. E novamente eu fui emganada, exposta a perigos que eu nem fazia idéia. Mas alguém viu a máscara... era ele. Ele me olhava de um jeito único, de uma forma tão profunda que desmenbrava minha máscara, enfraquecia minhas defesas. Ele era perigo, ele era desfrute, ele era pura loucura enclausurada numa calma surreal. Ele era como eu um dia seria. Ele era ele, ele era uma parte de mim que eu admirava... Eu não era nada. Mas para ele, eu era muito. Para ele eu era perda de tempo boa o suficiente para ele arriscar o pescoço e para me tirar da furada. A notícia chegou aos meus ouvidos: eu nem podia acreditar no que ouvia... meus olhares curiosos, criança gritando em mim aquelas características interessantes e magnéticas... e veja o que ele tinha feito! Pelos deuses... foi ali que eu consegui vislumbrar aquela casinha num lugar qualquer, aquele jardim de tulipas e ele na varanda, com um livro pesado nas mãos, sentado em uma cadeira de vime. Eu visualizei uma mulher ali, eu visualizei sorrisos, anéis, mãos atando, tulipas em ambas as mãos, uma mão no ombro, o livro repousando sobre a cadeira... mas quando voltei a mim, caiu-me a notícia de que ele estaria na casa, estaria sim, com o livro o mesmo livro!, a cadeira, as tulipas... a mulher! A mulher não seria eu. Lágrimas me fizeram temer pelo que de ruim poderia acontecer a ele, senti um medo monstruoso me engolindo, uma incerteza petrificante... Um talvez que eu logo matei havia surgido. E o talvez me fez regar um amor... platônico, sim, mas que estava ali. E depois, peguei o amor e botei ele para dormir.