domingo, 2 de setembro de 2012

Poema sem Face

À mão que se estende a face
à face que agredida
à têmpora virada, rendida
à força de revidar, retida
à cabeça que se abaixa frígida
à frente que o olhar evita
à mão que aquecida do tapa, desce
e prepara a próxima porrada.

Ao silêncio que a boca tilinta
à boca, que de saliva, se umedece de goma
à têmpora que aquecida arde
ao olho que vencido tomba
à umidade que no olho retine
à agudeza que dos dentes se amana
ao esfregar frenético que das cúspides ecoa
nas profundezas da inerte garganta.

Ao movimento brusco do pescoço
ao vibrar em câmera lenta das carnes faciais
ao esticar das fibras trementes silenciosas
ao calado do segundo do ato
e ao fim do pranto interno:
a voz de vencida da alma 
calada lamuria nas profundezas
dessa alma pequena e alada!


quarta-feira, 18 de julho de 2012

Á Morte e ao Amado

I
Se eu pudesse escrever silêncios
e trovar as noites mal dormidas
todas as palavras seriam vencidas
e a vida dividida em novênios

E no decorrer de tantos milênios
uma alma que ficou sepultada
se reergueria desencontrada
nidada em carreiras de hidrogênio

e a morte que foi vencida
deixada de lado em véus, amada,
seria novamente abandonada

só que dessa vez seria trazida
e apaixonada de quando em quando
pelo amor que não mais a ela pertencia.


II
E sobre sua face prateada reluzia
as luzes mais frias do inverno
e sobre seu olhar ameno e terno
a chama apaixonada que induzia

o furor eterno dos violoncelos
e as lápides lunares que se viam
e sob estrelas que mais brilhavam
os cantares mais profundamente belos

e ao amor da morte, que abandonada
chorou quieta e se despediu contente
mas jurou voltar impune ao fim

pois amar tanto tal face fria
à intensidade profusa e veemente
que o desfecho só a ela caberia.


III
O desfecho mais doce de todos
é esse o que eu mais aguardo
o dia que tal face, em resguardo
há de resguardar meus segredos tolos

E de noites mal-dormidas, a luz que enlaça
a delgada silhueta pálida e mal coberta
e a languidez úmida da boca aberta
contra a lucidez frígida da manhã baça

Um tudo energizado do profundo adorno
uma graça curvada à luxúria amena
e toda a beleza esquecida do entorno

E um suspiro profundo do amor pleno
e a dor cativa do gozo lúcido!
A beleza simples de um rosto heleno...


IV
E se um dia um adeus eu ouvisse
jamais igual adeus poderia eu dizer
mesmo que esse adeus me fizesse ver
o encanto belo de tudo que não se disse

E se esse adeus viesse craquelado
duma boca a qual um dia prazeres disse
eu em mim talvez jamais o admitisse
e guardasse dessa palavra segredo velado

Derramaria, de prantos, uma enchurrada
e demente e perdida me deixaria cair
nos braços, novamente, de minha velha amada

E a morte, excitada, me abraçaria triste
pelo corpo que possuiria silenciosa
perversa amante e eterna desalmada!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

-

Tão longe e tão perto.
Tem coisas que é melhor não saber.
E agora eu sei.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Poço

Nas profundezas frias da terra
ecoam a voz do vazio e do nada
retumbam tambores da alma alada
nos sons mesquinhos da guerra


e na frieza do verme que à pele toca
e nas entranhas úmidas sem luz e beleza
ecoam os gritos vibrantes da natureza
da alma que por tanto ficou calada.


O corpo apodrece, cercado de prazeres
e se desmancha sem viço, e à flor nutre
e as partículas que carregadas de quereres


em silêncio delgadas se elevam brilhantes
em notas frígidas e tristes de um violino
e nas similaridades dos desejos lancinantes.



quarta-feira, 20 de junho de 2012

Laço

Mas nem a morte poderia, calma
desdizer tudo aquilo de tal jeito dito,
e o código que na carne ficou escrito,
da rima confusa que se registrou na alma


E a palavra muda se findou profunda
arranhando as arestas mal-aparadas
e as sombras no chão, dançando pardas
e á memória que da imagem se inunda.


E esticou-se, sem sentido, uma linha tonta
e amarrou-se naquilo que livre gritava
e perdeu-se a linha, no infinito, sem ponta


E espremeu aquilo que mesquinho via
corpo a corte, a solidão que almejava
e arrastou o tudo num rabo de estrela-guia....

terça-feira, 19 de junho de 2012

Felino

Um remexer de borboletas na barriga
uma flama tremulando na derme
a boca que se umidifica, firme
às palavras que a mente abriga


Um explodir de vontades no escuro
um remexer nervoso e visceral da fibra
descomposta a costa da razão da libra
e o espirrar do sangue contra o muro


A forma complexa se deforma à sombra
a voz permanente ecoando grave
nas paredes úmidas do meu pensamento


E o contorno intenso desmedido tomba
e o desmontar lânguido do corpo, chave
da imagem pulsante e de marcar por dentro.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Poema Nu

Quando desnuda à pele acaricia
tua mão grande se curva, fria
e a alma felina, arrepiada
se desmancha de flores, desnidada


Quando mansa a boca se umedece
e a côncava costa ao leito desce
o corpo nu reflete o deleito
e o pulsar destemido dentro do peito


O coração gritando ajuda
se cruza a outro, trêmulo
e os lampejos de luz da lua


Os cortam, e carne muda
e os dedos lânguidos
moldam silhuetas no chão da rua.