sexta-feira, 18 de julho de 2008

Novas luvas

As luvas foram compradas, e num canto foram deixadas por uma mente que não cessa procurar novas sensações. Até aquele momento realmente não tinham significado algum, além de serem bonitas e descoladas. Até aquele momento...
Logo, foram pegadas, apalpadas e percebidas pelo tato e olfato, além de em seu tolo mistério compreenderem um milhão de novas sensações.
Como seria digitar com luvas? E urinar? Ou gritar com as malditas enfiadas nas mãos? Como seria acordar com elas, dormir com elas, viver 24h por dia tirando-as apenas para evitar que se molhassem, e logo se tornassem de um conforto absoluto em um desconforto gelado, ou para fazer atividades que as pudessem sujar?
Muitas perguntas surgiram, muitas perguntas respondidas com o simples vestir daquela simples peça de vestuário. Logo, elas estavam perfeitamente encaixadas nas mãos... e no dia.
Encaixaram-se com perfeição no almoço, nos desenhos feitos, no livro lido, no controle da TV.
Encaixaram-se perfeitamente nos anseios, nas lástimas, nas agonias, nos vazios. Enfim, naquele espacinho que ficava entre a alma e a existência cotidiana e sem aventuras. As luvas se tornaram a aventura maior, seu simples vestir se tornou o maior segredo do mundo.
Conforme o tempo foi passando, logo não se dava mais pra separar o que era luva do que era mão, o que era pano do que era pele, o que era osso do que era fio, fibra com fibra, moldando o que agora era uma nova manifestação do sentir pelas mãos.
Logo, as luvas cresceriam, tomariam todo corpo; se expandiriam num campo semi-cíclico de experimentações e de minutos arrastados, seriam não apenas luvas, mas parte importante do que acontece num dia. As luvas saberiam os segredos, saberiam o momento certo para libertar as mãos de seu casulo térmico.
Talvez se tornassem uma obceção, uma loucura se ver sem elas. Parte do corpo que não pode mais ser retirada, como o estômago ou o encéfalo.
Mas no fim, que diferença realmente fazia? Já estavam vestidas, acopladas, e o resto, só o tempo diria.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Gnossienne nº1

Gnossienne nº1 me lembra você...
Lembra-me tudo que passei, os erros que cometi, os acertos que alcancei, a espera que não sei quando virá a acabar.
As notas, em uma sequência deslumbrante, caindo da mente às mãos do pianista, sua respiração inundando a melodia. Os dedos gelados naquele enorme pedaço de madeira morta, polida e esculpida para que de seu espancamento os mais doces sons se revelem.
Gnossiene nº1 definitivamente me lembra você: as noites que sonhei, os momentos que esperei, toda arte que criei apenas por entender que apesar de você não estar ao meu alcance, esteve ao meu lado por cada instante da minha desrumada vida.
Mas só saber que um cara, a tempos atrás, teve a inspiração para criar a música que hoje dá trilha sonora a esse momento sublime que vivo, sinto-me arrepiar dos pés à cabeça, e penso: talvez não seja somente eu que estou esperando encontrar, talvez haja outros como eu que, em suas salivações insones, em seus porres e lágrimas afetadas, em seus gritos silenciosos e em seus momentos de explodir, sempre estiveram olhando um único objetivo: achar a outra metade do seu quebra-cabeça cúbico de seis cores.
Satie, em um momento de inspiração, descreve com sons precisos a aleatoriedade desses dias: os mais difíceis que passo, mas os mais deslumbrantes em contrapartida.
Criando arte agora, e sempre; chorando agora, e sempre. Talvez tenha endurecido minha casca mais que necessário, mas sei que na hora certa, ela vai despencar.
Para aquela pessoa que sempre terá o que eu considero os ossos mais bonitos que um dia haverei de sentir nas mãos a dureza e frieza.

segunda-feira, 14 de julho de 2008


As coisas estão como em uma montanha-russa.
Sinto como se minha alma estivesse tão longe, que não mais consigo alcançá-la.
Coisas que perdi, outras que me foram roubadas, outras que eu simplesmente matei.
Meu pé flutua cada vez mais alto, não consigo mais saber onde é o chão.
Misantropia agora é meu nome, seres humanos, causam algo na meu estado que me desagrada um horror. Quebrada, não consigo encontrar as peças que antes me faziam um ser humano. Não sei mais o que sou.
Mas se nada der certo, eu vou me jogar.

domingo, 13 de julho de 2008

Ser é

~ flutuar entre realidades;
~ viajar feito luz;
~ renascer e morrer constantemente;
~ respirar arte;
~ fluir entre mil jeitos;
~ viver para dentro;
~ morrer para fora;
~ gritar sem barulho;
~ silenciar uma rosa;
~ falar com o que não fala;
~ cantar uma pintura;
~ ler pelas paredes;
~ sorver a alma dos seres;
~ olhar para o que não se pode ver;
~ amar por amar a cada segundo;
~ fugir das fugas do dia;
~ mergulhar na lama da noite;
~ rasgar uma ferida;
~ sonhar com o que já se realizou;
~ pisar um pouquinho acima do chão, andar no ar;
~ correr contra a força do vento;
~ ser exatamente aquilo que sempre quiz ser, sem ligar para nada que me dizem, ser exatamente como sempre fui e nunca soube.

Devorem seus deuses e ídolos, eu vou continuar sentada e de pé, comendo o que não se deve comer, devorando as mentiras que criei para mim. Meu mundo não é o seu, meu mundo não é o de ninguém. Só por hoje não vou precisar fazer o sangue jorrar para voltar a ver que é assim que eu sou rosas, é assim que eu sou, sol poente, é assim que eu sou onda do mar, é assim que eu sou cinzas de cigarro. Dispensa teus dicionários, seus sentimentos não são conceituais; dispensa seus times, seja o seu conceito; dispensa tuias ideologias, apenas pense no que acha que deve pensar, do jeito que achar que deve. Não me julgue, sou inexplicável, inexplicável, inexplicável.
E você também. Nada que meros mortais possam alcançar.