sábado, 16 de agosto de 2008

Mochila de Morcego

Devo uma parte de tudo que escrevo aqui a uma pessoa, e não poderia deixar de citá-la, óbvio, sem mencionar nomes.
Meu primeiro soneto surgiu de um devaneio de amor por essa pessoa. Hoje, já chegando ao 200º soneto, tenho muito gosto em deixar aqui minha menção a esta adorável pessoa.
Era uma tarde, tranquila, quando estava eu indo ver essa pessoa. O dia estava ensolarado, desconfortavelmente quente, digamos de passagem. Eu me vesti com minha saia favorita, minha blusa favorita, e peguei meu acessório favorito: minha mochila de morcego, companheira minha até hoje.
Fui feliz da vida, com meu dinheiro. Peguei o ônibus (essa pessoa nunca ia até mim, eu sempre tinha que ficar andando atrás dela) e fui para casa da pessoa. E foi aí que o incidente aconteceu.
Depois de ter me arrumado da forma mais legal que eu poderia, ter posto até perfume (coisa que eu não costumava fazer na época) me veio a pedrada: a pessoa vira pra mim e me diz o quão ridícula eu estou com minha mochila, que aquilo era coisa de criança, que era pra eu deixar a mochila na casa dessa pessoa se quizesse sair na rua do lado dela. Chorei, chorei horrores, por um momento tive a sensação que meus olhos tinham escorregado da cara de tanta lágrima que derramei naquele delicioso dia.
Poupei-me, cega demais para ver que a pessoa só tentava me moldar dentro do seu ideal, que a pessoa não me queria de verdade. Fiquei calada o quanto eu pude. Mas o quanto pude não era para sempre. Todo o falso romanmce, todas as palavras da boca pra fora, todas as grosserias, tudo me entalou um dia. E aí, nunca mais fui obrigada a ver aquele rosto novamente. Confesso que isso me causa um prazer inigualável. Mas toda vez que uso a mochila, me lembro da barreira que derrubei para usá-la. E isso me faz sentir forte.
Dizer e fazer aquilo que os outros recriminam ou repudiam faz parte de todos os seres humanos. Ou você liberta essa parte, ou nunca vai poder dizer que foi pleno.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Isqueiro

Acordei sentindo um peso moderado nas costas. Rolara uma lágrima naquela noite, eu sabia. Sentia isso, daí a justificativa daquele peso estranho. Meus gatos logo perceberam, vieram e ficaram por perto, vigilantes. Procurei por um cigarro, depois pelo isqueiro. Lá estava ele, ao lado de mais um monte de tralhas espalhadas perto do sofá.
Lá estava eu, remexendo a bagunça. Achei uma carta velha, um par de anéis, um poema em versos decassílabos, um montinho de poeira com pêlos. Sentada ainda, no chão, resolvi acender um cigarro. Foi então que fiquei vidrada. A pedra riscou uma faisca, o gás do aparelhinho começou a sair, e logo eu tinha uma linda chama, azul e amarela, ondulante e delicada, bem diante dos meus olhos.
Permaneci com um dedo apertando a válvula de gás. A chama mexia-se nervosa, ficava mais clara, escurecia, ficava mais quente, depois mais fria, dançando, dançando, dançando. Era como uma linda saia aso vento, de uma beleza singular. Apesar de ser só um foguinho bobo, eu não conseguia parar de olhá-la...
Vi na chama dois olhos, vi uma floresta, vi um exemplar de "Leviatã", de Thomas Hobbes, vi a camiseta de um pijama de ursinho, um coelho azul de pelúcia, vi um espelho com moldura de bronze. Vi um lugar bagunçado, muitas tralhas espalhadas, vi o mundo girando perante meu nariz. O isqueiro foi esvaziando... Logo a chama estava fraca, logo pouco calor ela tinha, vi-a ir fraquejando, logo vi-a sumindo. Apagou-se o isqueiro. E o cigarro, pendurado no canto da minha boca, continuava apagado.