sábado, 17 de janeiro de 2009

A silhueta

O ser humano morre de sonhos... Não é de fome, nem de doença, ou de cansaço. Os sonhos - o desgaste que causam - isso sim mata.

Foi algo escuro e escuso projetado na parede mal-pintada. Era pegajoso, denso, delgado. Movia-se à brisa artificialmente gerada como um boneco de cordões, meio desengonçada, formato quase sem contorno, arrepiada...
Não compartilhava o som, ou cheiro, ou o gosto, nem o suor dos movimentos hipnóticos; no entanto, compartilhava o decalque, o contraste da forma, e guardava em si uma densidade única, compartilhada nem ao menos contigo.
O girar desengonçado da lâmpada atribuía a ela aspectos sombrios, devassos, e ela olhava para mim com fome nos olhos, depois olhava contra a parede, e depois, contra ti... Era como se ela pudesse se soltar, caminhar sozinha, deslizar discreta pelos segredos, e logo, sussurrá-los vadia, descomposta, descabelada num lugar em ti onde nem os silfos chegariam.
Rapariguenta, ela me ludibriava; inclinava-se em reverência a ti, aos pisos, às luzes confusas, misturadas, ao regimento de canduras que emolduravam aquele pequeno momento onde o tempo se tornava fluído, e um tudo com todo significado em línguas jamais proferidas estava mergulhado. 
Ela então se esgueirou, o fim do toque, sorriu sarcástica e desapareceu. A água correu fresca, o ar voltou a entrar, o tempo voltou a tempo. E o tique-taquear dos relógios ecoando novamente. 
Era a primeira vez, de muitas.