domingo, 29 de março de 2009

Requiem

"Então Invitia brandiu sua espada na direção dela, e riu alto. Entre os dentes se gabou: 'Eu, nesse momento, posso machucar-te, posso ferir-te, e posso rir-me da sua dor.' E ela respondeu: 'Podes ferir meu corpo, magoar minha alma, mas jamais há de derrubar meu espírito, jamais há de ceifar de mim o que e meu. Enquanto ris da minha dor, a benção que desejas trata minhas feridas; enquanto preparas tua espada, esse mesmo coração e meu escudo. Tua vingança não me atinge realmente... Mas fará-te perder as boas venturas que ainda receberias, se soubesse que não existe sorte: tudo e consequência das atitudes anteriores; e tuas atitudes de agora farão-te amargar as consequências do futuro.' "
(Livro das Sombras - autor desconhecido)



Olhava por cima da realidade: tudo estava borrado, as cores confusas, mas os sons estavam perfeitos. Descobriu, de repente, que a verdade doí. Era uma verdade oculta, mas estava ali, agora, nos olhos e mentes que vibravam a toda volta.
O chão desapareceu; os dedos flutuavam inertes pelo ar, que se adensava. A barriga contraída, tentava escapar dos espetos que eram arremessados. Flutuando, qualquer um viraria um alvo fácil. Debatia-se, no fundo, um mal-estar. Ele cresceu, e fechou a garganta. Nesse momento o réquiem começou.
Era a garganta que tremia, suava; silenciosa, descrente dos que via. Não era real. Era imaginado, uma ilusão. Simplesmente não podia ser verdade. Gargantas são muito crédulas, todos sabem.
E então, foram os pulmões. Ficaram teimando, não aceitavam. Funcionavam com surpresa, na eminencia da fuga. Queriam correr dali, se livrarem do ar, denso demais para ser sorvido plenamente. Se encolheram, não tinha escapatória. Estava ali e não havia nada que pudessem fazer.
Depois as mãos. Saculejando, desnorteadas, tentavam levar a mente a um lugar paralelo, onde podiam fingir que simplesmente não era verdade. Mas não funcionava, era óbvio demais o que acontecia.
Logo depois, o coração. Ele batia, se debatia; bateu contra o pulmão, se chocou na costela umas duas vezes, socou o estômago, fazia força para não aceitar. Mas não era possível não aceitar o tão óbvio. Desistiu de fingir que era mentira.
Apenas o estômago aceitou. Se contraiu, tentou segurar o pulmão e o coração em seus lugares. se esforçou, mas sem sucesso. Não tinha mais como parar.
E na mente surgiu a memoria: palavras ditas, olhos que se moviam e fulminavam, detalhes pequenos e pouco discretos. Mas não era a mentira que doía: era a verdade. Ela segurou todos, formou uma teia que os unia, então, cada sentido de todos estes listados se tornou um. Uma lágrima corre na alma. Uma sensação de impotência, de solidão, de insignificância. Toda essa agitação era insignificante. Simplesmente não importava.
E então, o movimento cessou. Cada órgão com sua memoria, com sua marca. Um segredo não era mais segredo. Tudo valia a pena, não importava.
As vezes doí demais descobrir como o ser humano pode ser um animal egoísta, baixo e sujo. Doí saber que mesmo as palavras ditas com mais furor simplesmente podem ser mentiras, e tudo pode ser uma mascara. Mas não adianta, porque a verdade, a sinceridade e a pureza vencem. A mascara um dia cai, e sinto muita pena de quem não tem absolutamente nada por baixo para mostrar. Sinto muita pena também de quem e desmascarado e continua insistindo na mentira. Xeque-mate, o jogo acabou.

E eu me pergunto: até onde vai o egoísmo, o ego de alguém? Por que as atitudes simplesmente perdem o controle da razão e do bom senso? Uma utopia inspirada numa ilusão sobre o que e verdade pode realmente levar alguém a estragar o bem-estar alheio? O amor verdadeiro sabe quando deve aceitar, sabe quando deve cuidar e sabe quando se deve renunciar. Quem não tem a capacidade de renunciar pela felicidade de quem se ama não ama. Apenas cultiva ingratidão pelo dom de sentir, cultiva inveja e cultiva fúria. A vontade de ninguém esta acima da vontade de outro. Gritar, mentir, se desesperar não vai fazer nada dar certo. Coitado de quem acha que pode ceifar o bem alheio para ser feliz. Coitado de quem não tem a capacidade de amar.