quinta-feira, 4 de março de 2010

Todos

... que quiserem estão convidados a comentar.
O que der na telha.
Busco novas idéias.

Primavera

Quisera
outrora
que a primavera
visse a todos
mas a porta se sela
e a primeira coisa 
costuma ser a tregua
que o sol dá para os que mal enxergam...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Arrastou a capa escura pelo tapete marfim e dobrou-a em um movimento brusco. Sentou-se com os joelhos muito juntos, mas o defeito das pernas afastou, natural e sutilmente, um calcanhar do outro. Jogou a franja, já lateral, um pouco mais para o lado e tossiu suavemente antes de fazer com a cabeça o sinal de que estava pronta para que começassem. Olhou para o juiz, para os advogado de defesa, para o promotor, e para o juri. Com os olhos inchados de choro, ergueu-se nas pernas, numa postura respeitosa e olhou para todos. Por fim, acenou com a cabeça para o juiz. O martelo desceu em quarto de círculo até alcançar seu apoio. O som ecoou pelo tribunal. E assim começava o julgamento. 
Um homem de terno trouxe embalagens plásticas e pôs sobre a mesa do juiz. Uma delas continha um poema; a outra, uma lâmina. A terceira continha cacos de um objeto quebrado.
A promotoria era formada por um homem gorduxo, com bigodes como os homens de antigamente possuiam bigode, um terno como os homens de antigamente vestiam, e calças como os homens de antigamente usavam para sentirem-se elegantes. Seu nome era Patriarcal. Logo atrás da mesa da promotoria, um público de pessoas, todas da família da vítima, olhavam com olhar reprovador para a figura de capa. E a figura sentada, a franja tombada suavemente na testa, o rosto quase virado para dentro tamanha a timidez... 
Do outro lado, os advogados de defesa. Eram dois advogados. Um chamado Juventude, um chamado Intimismo e o terceiro se chamava Moderno. Atrás deles estavam dezenas de adolescentes e até adultos, todos confrontados pelo flagelos do amor, da traição, da rejeição, da luxúria, da vaidade. Todos avassalados pelo sofrimento do ser humano como besta social. Ali atrás somente uma excessão houve a isso. Era uma pessoa limpa; não estava disforme de lágrimas, ou de tristeza, ou torcida nas forças dos dedos do apropriado-inapropriado. Tinha cabelos castanhos, lisos com algumas ondas dispersas nas pontas, a cara branca achatada por dentro das mechas de cabelo e o olhar distinto, mas duro e, ao mesmo tempo, atencioso. Estava lá, o gorro do casaco sobre a cabeça, sem falar nada, sem incomodar ninguém. 
O promotor se ergue. Caminha em direção a mesa do juiz e diz:
-Prova um, por favor.
O homem de terno abre a primeira embalagem. O juiz, com o poema em mãos, pede ao promotor para prosseguir.
-Pois bem, Vossa Excelência, como pode ver, esse é um poema escrito na presença dela. O conteúdo é depressivo, se fala no nome dela diversas vezes. Junto ao nome dela, o nome de coisas relacionadas a morte, a dor e a tristeza. O flagelo dela está evidentemente exposto aí, com palavras. A prova dois, por favor. 
E a segunda embalagem é aberta. A lâmina, nas mãos do juiz, esta suja de sangue, e misturado à mancha, ferrugem.
-Pois bem, Vossa excelência, veja as consequências do que diz no poema, graças a ela, por período prolongado. O flagelo da tristeza que ela causa leva a medidas extremas, em alguns casos. A prova três, por favor.
E os cacos na mão do juiz.
-Pois bem, Vossa Excelência, aí está a prova três. O nome desse objeto é lembrança. Venha como está, depois do flagelo intenso da ré. Gostaria de falar diretamente a ré, agora.
E a pessoa da capa se põe de pé.
-Você estava presente na execução do poema?
-Sim.
-E no momento que a lâmina foi usada?
-Sim.
-E no momento que a memória foi quebrada?
-Sim.
-Pois então, juri, juiz, acredito que meu discurso até agora seja o bastante.
Senta-se então o Patriarcal. E a defesa se levanta.
Primeiro, a Juventide.
-Vossa Excelência, todos os fatores acima, por mais que tenham relação com a ré, são também relacionados com o furor que a idade tenra trás!
Segundo, o Intimismo.
-Vossa Excelência, existem iguais crimes também cometidos sem a necessidade da presença da ré! Isso é tudo uma questão de como está a relação da pessoa com suas prórprias emoções! 
Terceiro, o Moderno:
-Vossa Excelência, atualmente é natural que a ré esteja presente em muitos momentos e isso não faz dela a criminosa!
E pediram a ré que se levantasse.
-As pessoas superam essas crises, na maioria das vezes, depois que amadurecem?-a Juventude.
-Sim.
-As pessoas passam por esses momentos mesmo sem a sua real presença, não é?
-Sim.
-As pessoas de hoje estão sim acostumadas a lidar com você, e a te compreender, correto?
-Correto.
E o juri olha a defesa, e abaixa os olhos. A cabeça faz sinal reprovador.
A ré, então, com permissão do juiz, fica de pé, e tira de sua bolsa três objetos. Um livro, e nele está o conhecimento. Um espelho com moldura de cobre, bem fininha, e um frasco opaco da cor verde. 
Ela pede para falar, e o juiz acata.
Ela então começa sua verdadeira defesa.
-Vossa Excelência, este livro é o único real livro que as pessoas leem, e somente na minha presença podem ler. Aqui está o conhecimento, o pensamento, a formação do saber. É somente em minha presença que as pessoas podem o ler.
Este é o espelho do auto-conhecimento. É somente na minha presença que as pessoas conseguem utilizá-lo. A presença de outros pode desvirtuar a imagem, ou deformar o reflexo.
Este frasco, pois é nele que está o produto de tudo que se pensa na minha presença. É nele que está a certeza da realização, é nele que estão os planos para o futuro, as ambições, os sonhos, e somente, somente na minha presença, as pessoas podem usufruir de seu conteúdo. O nome do conteúdo é esperança.
Graças a minha ausência, as pessoas deixam de sofrer o flagelo da traição, da indiferença, do desprezo, e podem realmente olhar para estes três objetos e acreditar no futuro. Eu fui desvirtuada, tomada por grupos, ofendida no meu real significado, e incompreendida. Os artistas, os pensadores, filósofos, físicos, todos eles contaram um pouco comigo para crescer. O meu excesso levou  a hipocrisia de achar-me não necessária, nessa unidade conservadora onde a família é a constituição de maior importância do Estado; a minha falta e a minha desapreciação levou a todos aqueles, do lado da defesa, a me acharem como a rainha de algo que não sou.
Eu fui traída pelos meus objetivos, relevada pela ignorância e culapda de crimes que não cometi, mas as pessoas cometeram em meu nome e me culpam por algo que não decidi para elas.
-Então- diz o juiz -erguida, diga: qual é o seu nome?
-O meu nome é Solidão.
O juri olhou então a franja caída cair mais sobre um dos olhos, o tronco ficar mais erguido e os ombros menos tensos. Viu a sinceridade. Declarada inocente.
E, dos que estavam ao lado da defesa, se ergue esse homem, rapaz anda para muitos mundos, homem para outros, e caminha até o mais próximo da mesa dela que ele pode. Ergue a voz, respeitosamente, e diz:
-Eu sou o filho pródigo da Solidão. Ela estava ao meu lado quando precisei dela, soube ir-se no momento certo. Eu sou forte, mas não sou sozinho. Olhe ao lado da promotoria, a família, e me diga, qualquer um de vocês, se realmente já precisaram que ela estivesse ao lado de vocês, efetivamente, para que a sentissem em seus calcanhares.
Pois eu digo: não é a juventude, não é o intimismo nem a modernidade, é mais que isso. É algo dela para eles, eles que não souberam medi-la e apreciá-la do jeito certo. E colocam a culpa nela porque não tem mais quem culpar por sua infelicidade e falta de capacidade de amar a si mesmo.








Pois talvez eu seja um pouquinho a Solidão...

terça-feira, 2 de março de 2010

Andarilho dos Ventos

O vento invadiu a casa gelado e úmido. Como meus sentimentos andam ultimamente. Gelados e úmidos. E atrozes. E o vento..

Ás vezes, eu posso sentir-te caminhar nos meus calcanhares. E posso sentir um abraço. E teus dedos passearem delicadamente pelas minhas costas, ou pela minha barriga, um dedilhado irreal... Invade-me um sentimento de trazer-te para tão perto, que não mais se saberia diferenciar onde começaria um, onde acabaria o outro. Trazer-te para tão junto que nossa unidade molecular se fundiria perfeitamente, docemente, num balançar centrípeto, e abstrato quase, num movimento repetido, e esse seria o vibratto do amor. 
Pois as cartas não mentiriam. É por você, e somente por você, que serei capaz de sentir o amor carnal, o amor fraterno, o amor dominador, o amor subalterno, o amor total,  o amor devastador... entre nós somente a voz angelical que nos embalaria para os caminhos a nos levar para o outro mundo poderia flutuar. A energia única do teu existir me dando motivos para existir também... e somente tu, ninguém mais além de tu há de recebê-lo.
Contar os dias parece cruel, mas eu confesso que conto as horas. Todas as 174823 horas desde que eu soube que você existia. Por todos esses anos. É a primeira vez que finalmente sinto que a contagem está chegando ao fim. Tu respirares seria a cena da minha vida. Tua face ao longe, se materializando fosca nos meus cristalinos míopes, fazendo meus joelhos que rangem me moverem até teu encontro, fazendo meus ossos defeituosos me arrastarem até o balançar dos teus, e a comunhão do baço; uma nuvem reflexora de tudo de belo que guardei por todos esses anos. A formação dessa matéria única da carne-alma-espírito, o poder do sentimento mais divino.
Vejas, oh, as criaturas, e vejas a quanto o carma as cobra por um momento feliz... Vejas o quão afortunados somos, agraciados dlo destino pela sorte que nos aguarda logo ali no Equinócio das emoções... A verdade nua e crua é que mesmo o arremedo que vivemos, somente na espera, não chega aos pés do que a maioria dos meros mortais viverão por toda sua vida.
Eu nasci e cresci com um objetivo do universo. Está chegando a hora dele se concretizar.
És o Andarilho dos Ventos, os ventos que me envolvem, que me consomem e que me carregam. Segura a minha mão, vai... Esse agora não é tudo o que temos, mas é a primeira vez que o temos como em breve teremos. É a nossa chance de mostrar que podemos ficar.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Baço

Tempo hoje: ar melancólico. Ventos tenebrosos e e pegajosos invadem meu modo de olhar a vida e a morte. Uma queda de chuva sombria se recusou a cair o dia todo, trazendo a umidade aos meus olhos e pés.
Sim, estou gelada e úmida. Sim, estou pegajosa, como o vento, e melancólica até os ossos. De tanto tripudiar dos sentimentos alheios, estou, nesse momento, presa aos meus. Estou morrendo de amar. 
Posso dizer quando começou, posso dizer porque se arrasta por tantos anos... mas não direi. Posso dizer o tanto que doeu, posso dizer quantos suspiros perdidos, sentada, em um banco público qualquer, mas não direi.
Eu sou de dentro pra fora: quem me olha, vê uma beleza diferente, vê um olhar intimidador, vê uma besta furiosa na pele de um bichinho de pelúcia.. mas essa é só a superfície. Ninguém, quero dizer, ninguém mesmo vê completamente o que está além. Só você, mas você ainda é ninguém. 
Um dia surge uma mão que repousa suavemente na minha, e logo ela escapa, o temor, ou se vai, a defesa. E quem não pode entender se afunda nela. Quem não pode entender que eu não sou de ninguém que não seja ele; que eu não faço nada além de buscar por ele. Sem ele, não haveria arte. Ou desejos. Ou sonho. Ou uma vida a ser vivida. Somente ele consegue alcançar onde muitos tentaram, ninguém conseguiu. Ele tem a maldita combinação de defeitos e acertos que fazem da minha vida quase uma sequência de eventos miseráveis e mesquinhos, por estar sem ele, e só não fazem do quase uma certeza porque nada aconteceria se ele não estivesse em algum lugar. E a sorte. E definitivamente, ele será o único a conseguir realmente ter força sobre mim. Pois ele saberá como é por dentro sem precisar explicação.
Os corações que eu parti, queria não ter partido. Mas não sinto arrependimento. Seria eu uma pessoa má? Não sinto saudades de quase ninguém, ainda que sinta de momentos. Será que todos são assim, q vivem uma sequência de afirmações hipócritas para fazer com que os a sua volta se sintam plenos? Será que é por essa falta de hipocrisia que as pessoas se afastam? Vamos ver até onde a magia pode ir.
Eu posso olhar para frente e ver o que vai vir, mas o esforço que me faz me recusar a fazê-lo mantém também uma certa chama viva. Ela diz que existe ainda um vento que não é como o que ventou hoje, uma chuva que não teima cair, e que o ar vai melhorar, um dia ele vai. Essa certeza me mantém atada a esse mundo. Essa certeza me mantém caminhando na beiradinha dele também. O que está além da beirada é segredo. Para todos vocês. Para mim. Eu só sinto o que fica lá embaixo. E então rezo. Não para um deus, mas para mim mesma. Faço de mim mesma mais forte com essas poucas palavras. E durmo mais uma noite. Mais horas que jogo no lixo por conta de um corpo. Mais um desperdício.
E eis que surge em sonho. Lá está, cheio de si, se gabando porque dei o que eu tinha de mais valioso a ele -  meu baço - e me olhando cínico, cheio de graças, falando os sarcasmos secos e engraçados. E ele, em retribuição, me deu seu coração. Eu sei o que pensam: um coração por um baço? Bem... é que, pessoas como eu, não amam com o coração. Na verdade, nem sei se amo. Mas, definitivamente, eu desejo. E isso mantém a chama acessa.
Talvez eu não seja como os outros. 
Talvez eu esteja no lugar errado.
Mas eu só me vou com você.




Meu tempo está acabando...