terça-feira, 12 de agosto de 2008

Isqueiro

Acordei sentindo um peso moderado nas costas. Rolara uma lágrima naquela noite, eu sabia. Sentia isso, daí a justificativa daquele peso estranho. Meus gatos logo perceberam, vieram e ficaram por perto, vigilantes. Procurei por um cigarro, depois pelo isqueiro. Lá estava ele, ao lado de mais um monte de tralhas espalhadas perto do sofá.
Lá estava eu, remexendo a bagunça. Achei uma carta velha, um par de anéis, um poema em versos decassílabos, um montinho de poeira com pêlos. Sentada ainda, no chão, resolvi acender um cigarro. Foi então que fiquei vidrada. A pedra riscou uma faisca, o gás do aparelhinho começou a sair, e logo eu tinha uma linda chama, azul e amarela, ondulante e delicada, bem diante dos meus olhos.
Permaneci com um dedo apertando a válvula de gás. A chama mexia-se nervosa, ficava mais clara, escurecia, ficava mais quente, depois mais fria, dançando, dançando, dançando. Era como uma linda saia aso vento, de uma beleza singular. Apesar de ser só um foguinho bobo, eu não conseguia parar de olhá-la...
Vi na chama dois olhos, vi uma floresta, vi um exemplar de "Leviatã", de Thomas Hobbes, vi a camiseta de um pijama de ursinho, um coelho azul de pelúcia, vi um espelho com moldura de bronze. Vi um lugar bagunçado, muitas tralhas espalhadas, vi o mundo girando perante meu nariz. O isqueiro foi esvaziando... Logo a chama estava fraca, logo pouco calor ela tinha, vi-a ir fraquejando, logo vi-a sumindo. Apagou-se o isqueiro. E o cigarro, pendurado no canto da minha boca, continuava apagado.

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