quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ódio

Hoje acordei odiando tudo... odiando a cama que tanta sensação de conforto dava e quase me fez ficar, odiando a louça na pia que, em seus lindos contornos de natureza morta, em plongé, quase me fizeram ficar e lavá-la; ódio profundo do telefone me encarando, quase uma crise furiosa contra o chuveiro quente e acolhedor.  A ira por dentro dos gatos, macios e gentis, segurando-me onde eu não posso estar agora, e ódio dessa inspiração. Inspiração de escrever logo agora, que vontade de derrubar o monitor, gritar e fazer ela parar. Dar-me um susto, jogar as porcelanas na parede, depois ficar quietinha e desenhar o resultado. Vida bandida.
O ódio tem movido-me de forma cabal esses dias: ódio da distância, ódio do tempo arrastando-se, ódio dos detalhes rômbicos dos cantos do apartamento, das peças e do cheiro gostoso daqui, esse espaço que está começando a ficar tão preenchido de lembranças que mal consigo respirar aqui; mas sair piora, lá fora, realmente não respiro, o ar se recusa a entrar, e lá fora está todo um mundo para eu odiar, novas pessoas para eu odiar, novas coisas irritantes e burras, tudo implorando para eu perder o controle e fazer o sangue - alheio ou não - derramar. Quem  nunca pensou em escrever o próprio manual de instruções e distribuir para os próximos? No meu, o guia de "Cuidados com sua segurança" seria enorme... Não sei mais como reagir, ninguém fez-me nada (?) e meus dias continuam os mesmos de sempre! Essa fúria estranha de coisas que não tem culpa, talvez eu só esteja transformando tristeza em raiva, inconformismo em raiva, arte que não transborda-me o corpo em raiva, saudade em raiva. E a raiva se acumula, tira-me o sono, agonia-me os ossos, e faz-me temer cada dia que preciso cruzar a porta e encarar o mundo lá fora, o mundo frágil, mole e quebrável... As mesmas mãos que criam destroem, a mesma mente que se estica num zigue-zague de detalhes minunciosos feitos com os lápis de cor pode sim simular e dissimular tantas formas diferentes de quebrar madeira e ossos que os mortais regulares mal podem imaginar... 
Sinto ódio dessas transformações no meu corpo, essas coisas que o fazem falhar ou atormentar-me de incômodos estranhos; sinto ódio da minha vontade egoísta de livrar-me dele, sinto ódio de ter todo esse sangue e não poder pôr ele do lado de fora do corpo, nem uma parte dele, nem um pingo, sem enlouquecer tudo que eu amo e prezo; sinto ódio de ter essas vontades. Como numa fábrica, tudo alimentado de eletricidade, incluindo os próprios operários, a única energia que ando tendo é a que o meu ódio gera-me e essa energia move-me, é a única que ando conseguindo ter esses cinco dias simples e delicados, que começam quando eu despeço-me, e terminam quando eu digo "oi, o que vamos beber hoje?" Esses malditos dias consumindo-me a razão, esse maldito ódio consumindo-me as forças de sorrir, agravando-me o desejo de quebrar o que é frágil, e quebrar o que não o é, essa força, que esgotada, culmina em dor profunda e ainda menos significada...
Fúria maldita, quase uma cruz, força descomunal para manter o controle, talvez sedada eu estivesse melhor: deixando os pensamentos anestesiarem um pouco, deixando os sentimentos anestesiarem um pouco. Destruir meia dúzia de incrédulos, de irônicos, todos objetos cretinos do dia-a-dia... Única força alheia a todo esse ódio tem sido o amor que sinto, a vontade de os cinco dias terminarem, a ânsia da presença materna em dias aleatórios, a presença dos bichanos... O resto é ódio denso e concentrado, empelotado por dentro e derramado pelos furos do nariz, cantos da boca e pelos ouvidos, pelos olhos - lágrimas, e do interior da mente, bem do fundo, e inundando todo resto.
Talvez finalmente seja a hora de começar a pensar em crescer. 




Eu NUNCA vou me adaptar.

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