domingo, 9 de agosto de 2009

Forca

Uma corda dependurada oscila de um lado para o outro. A alma assídua, os olhos cansados. E chegando a hora da sentença final. Contra o nascer do sol, ainda pálido, o laço se dependura e forma uma cruel moldura: ele, sentado, agarrado entre as grades, se encolhe de medo; esse destino ele jamais imaginou para si. Ele chora muito; as lágrimas que chora, de tantas, cavaram seu rosto por onde escorrem, formando uma calha funda; abaixo dos olhos, de tanto esfregar, marcas arroxeadas em tom escuro, quase hematomas. As mãos cortadas, assim como os pés e braços - cortes tão fundos, dos quais perdeu tanto sangue, que sua palidez mórbida se acentua contra o tom cinzento das pedras. Ele dá um último grito; as grades, as paredes pedrosas, todo o calabouço úmido com cheiro de decomposição e morte, todo o chão pegajoso, tremem. Resposta? Apenas silêncio. Um braço o agarra e o encaminha para palanque: eis ali minhas mãos. Mãos fortes, destemidas, e repletas de desesperança e sofrimento. Olho a multidão, e consigo ver ainda algum brilho nos olhos do juiz; ele olha suavemente, sente que está fazendo o certo. Mas na verdade, já não importa o que é certo ou errado. Eu, carrasca, levo-o até o palanque: ajeito-lhe tudo com todo carinho - sou carrasca, assim como meu pai, pai do meu pai, e assim como uma maldição, isso me leva apenas ao caminho que não escolhi. A corda em seu pescoço, passada delicadamente; um capuz preto sobre seus olhos, outros sobre meu rosto. Ofereço-lhe cigarros, um beijo de despedida, e o vejo como quem olha um filho bastardo e mal-quisto. Olho para tudo que tem acontecido a mim, depois tudo que tem acontecido - oh, tragédia! - a ele!!! Ele que tanto criou, que tanto cultivou, que tão fiel foi... Uma contagem, as badaladas do sino explodindo na aurora, agora completa. " Adeus" sorrio, mesmo sem sorriso, e lhe sussurro coisas boas que ficaram no final. Não gasto quase tempo nenhum, e aí, ele consegue me entender. Ele consegue me sorrir. "Blém!" Diz a última badalada do sino. Uma última lágrima é derramada. Por mim, por ele.
"Estamos aqui hoje para execução desse Amor - Amor-carnal, amor-emocional, amor-afinidade, amor-esperança, amor-amizade. Ele é acusado do crime de mais alta traição e será dependurado, por esse laço, até parar de respirar e seu coração parar de bater." proclama o juiz. Sua sentença dada, tudo preparado. Viro a cara para chutar o banco, sem ao menos dizer adeus ao pobre Amor... Viro-me e contemplo ele dependurado, se retorcendo, e por um segundo, de tolice extrema, vejo que sou a única que pode salvá-lo... a única que realmente se importa com ele, a única que realmente quer que ele fique. Mas um Amor ferrado assim só traria sofrimentos além dos que já trouxe. Deixo ele morrer, nem quero ver o corpo. Agora é com o Coveiro.
E é assim que o Amor acaba: ele nasce forte, cresce bandido, vive por um tempo assassino, e depois é assassinado - até a hora de encontrar a pedrinha verde da verdade.
Morra, Amor, morra, desapareça desgraça maldita e inútil. Vais escoando embora, com cada vez mais força. Vai de vez, e deixa espaço para eu ser feliz. Vai, e não volta jamais.

Amor, grande Amor... Você não passa de segunda.

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