segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Ciclope

Você acredita em delays de tempo? E em banheiras de espuma sem nenhuma gotas de espuma para banho? Que tal em pessoas aleatórias em locais aleatórios que simplesmente sentem prazer em te dizer alguma palavra de amizade e nunca mais voltarão a te ver? Discos solares mais belos que até o medalhão de ouro de mais valor e requinte? Ontem foi o dia do ciclope.

Sentada na água, nunca havia notado como ele encarava; imóvel, superior, enorme, apenas um olho na órbita - um olho cinzento - completamente sem brilho e sem pupila. Eu me virava de um lado para o outro, mas seu olhar me acompanhava. Acompanhava tão fixo, tão gélido, que ao me levantar, foi como se ele perfurasse minha alma. Lembrei da hora que acordei ontem: olhei no relógio, 7:55, virei-me, e depois de um cochilo, um sonho, acordei novamente, e eram 7:55. Lembrei da professora primária no trem, lembrei das boas frutas, e do presente maior que tive em olhar o sol nos olhos e vê-lo em seu maior esplendor em um amanhecer. Ele sabia de tudo - eu via em seu olho morto. Sai por um instante, na esperança que ele fechasse os olhos; em vão. Ao sentar-me na água de novo, novamente ele estava lá. Olhei para todas as marcas da tristeza: magreza extrema, tremedeiras, cicatrizes... Passei as mãos nos olhos e senti as olheiras fundas, amareladas, sob meus olhos. Mas eu estava viva, estava sim!!! Da direita para esquerda, o ciclope movia o olho, parecia um tanto quanto sério. E, do nada, ele piscou. Arrepiei-me da cabeça aos pés, pensei que fosse impossível, mas era o que eu vira. Lembrei de outras coisas impossíveis que andei presenciando com um prazer inexplicável... Deixei a água fugir da minha volta, e deixei o ciclope só. Quando me virei, vi que ele derramava uma lágrima. Tentei dizer-lhe que tudo ficaria bem, mas ele não tem ouvidos, é apenas um olho cinzento que olha, contempla, e todas essas coisas que olhos fazem. Ele não tem um corpo, não tem ao menos uma alma: ele é somente um ciclope. No meu sonho, ele tinha sim uma alma, ele se movia, se expressava mais abertamente - mas eu não me lembro do que disse... O ciclope sabia quando olhava - a magreza não estava no meu corpo, mas na minha alma; as olheiras, as tremedeiras, as cicatrizes... Tudo na alma. Alma doente? Sim, mas com cura. Talvez agora seja o momento de finalmente sentir pena daqueles que não a poderão curar...

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