domingo, 14 de dezembro de 2008

Desejos / O meu mar

Como pude deixar-me acabar tão longe de mim?
Como pude permitir que tudo que eu sempre quis fosse destruído, despedaçado e mirrado por mim?
Oh, sou tua ghost, tua Lacrimosa, tua esfinge.
Estar e não existir, existir e não viver. Ou não estar, não existir, não viver?

Novamente sinto-me atraída aos vales das cruzes de mármore pelo perfume sedutor e adorável de criptas... Poder extirpar por fim esses suspiros ardidos e deficitários, flutuar além dessas moléculas e mergulhar na fúria do mar e de lá não ter de sair!
Eis que novamente vem ela: minha musa, minha senhora, essa incrível dama de tamanha beleza, que é proibida e foi coberta, pelos anos, pelo seu manto negro. Meu maior amor, minha espera, meu querer supremo, minha extrema unção.
Desejar-te voltou para me atormentar. Meu repouso se quebra, juntamente com todos os meus sonhos onde você não está. Você surge, ampara-me, mas nunca posso te tocar. Por você eu seria um homem, por você eu seria um sorriso, seria uma espada de prata. Não mais este réquiem.

Acordei com o mar nos olhos. Era saldado, deigado e arredio, buscava intensamente o chão. Esta ventura pode estar, então, chegando ao seu fim? Eu era vapor, era apenas uma essência gelada e sem existir algum, e logo nem mais o vapor frio e pegajoso do teu ar eu poderia ser.
O mar veio, revolto, e se jogou contra mim. Deslizou pela minha face, e depois escorreu - acre e sosso - pelas minhas entranhas vermelhas e adocicadas ainda de suspiros. Foi apodrecendo meus ossos vibrantes, meu baço repleto, e apagou o fogo do meu coração. Já não podia mais queimar-te, já não podia mais ser aquela pistola, era o desconstituir da criação, lento e dolorido, a cada segundo. Não queria parar o mar. Apenas dessa forma pude ver o fogo - o fogo destrutivo - e sentir que ele não estava mais ali.
Os passos sem jeito ficaram mais sem jeito, já não havia mais os apoios naturais para os braços ficarem; ambos membros pendiam apenas pela gravidade, à espera de serem arrancados por ela. As madeixas mal aparadas agora eram a última máscara, e mais que máscara eram a protecção contra o tudo de lá de fora. As palavras se desarticulando, perdendo seu significado, apenas deslizando suas ondas pelas moléculas repressoras a toda volta. Logo as ondas perderam o motivo de vibrar. Era apenas o ar que se afastava, e depois, nem mais era o ar. Era apenas o vibrar de minhas moléculas, a electricidade correndo. Mas o chamado, apesar de surdo, ainda lá estava. Nenhuma resposta. Apenas pena. Uma pena que não era para ter estado ali nunca.
As luzes fortes de aurora começaram a perder a forma, depois foram enfraquecendo, e apesar de significar que outro dia havia começado, não eram luzes ternas, nem quentes. A agressividade delas fizeram-me me cerrar ainda mais, e uma beirada rosada ficou pendurada para fora. Uma beirada que precisava - mais que tudo. - ser extinta. A necessidade de absorver o meio desaparecera; foi substituída por um entorpecimento suave, sem corpo, sem existir. Faltavam ainda dois passos, passos bem curtos para serem dados. A matemática, minha melhor conselheira, seria a peça que faltava para que um desses passos fossem dados. O outro, era preciso um esforço mais descomunal. No entanto, para poder deixar-me voar, sabia que o último passo jamais deveria ser dado. Que deveria ser ignorado nos caminhos estranhos que eu escolhera. O ser humano tem essa linda capacidade de se conformar.
E esse mar, malditíssimo mar, ele não terminaria de mim o que começou. Era melhor voar, e deixar apodrecer longe de mim esses pedaços sangrentos que nomearam.
Minha matemática, tamanho querida, dessa vez não tinha o poder de mudar aquele caminho. Era o nada, ou o nada. Era o nada daqui, ou o nada de outro lugar. No fim, o olhar ainda seria esfumaçado, e sem graça alguma.
Pude olhar uma flor que havia sido atirada no mar, na noite anterior, e vomitada por ele pela manhã. Para meu desespero, estava tão desfigurada, que consegui nela um espelho de verdade. E também nela, tive uma visão do futuro. Não podia deixar, de forma nenhuma que tu visses, com teus olhos castos, como ficaria a rosa depois que foi devorada pelo seu próprio mar.

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